Aconteceu alguma coisa? Isso nunca devia ser dito, jamais deveria sair da boca de alguém, quanto mais da mulher de nossos sonhos. Claro que aconteceu! Claro que existe uma razão para não querermos falar naquele instante. Tudo ruiu. Um medo incrivelmente abrasador e ininterrupto nasceu bem ali, quando pela décima vez no dia dizemos que ela nos faz falta, que tudo estaria melhor se a correnteza dos beijos pensados na distância fosse acontecer dentro de dois ou três minutos no máximo. Claro que aconteceu. Aconteceu que agora tudo se sabe mais frágil e tortuoso e as distâncias, em vez de martírio, pensamos poder fazer as vezes de abrigo. Claro que mudou alguma coisa. A pele não tem mais o brilho denso de anos antes e o cheiro insidioso das fantasias agora marca também lembranças nascidas dentro da perda, nas bordas do sofrimento, recente ou acumulado. Qualquer coisa que se diga vem pensada em pretéritos protetores, como cartilagens extras para proteger as juntas do corpo. Aconteceu que a velocidade do querer foi superada pela o querer-se e o abandono não é mais visto como um privilégio, mas como uma ilha deserta em cujas entranhas muitos exploradores se perderam pelos séculos. Aconteceu que quando menos se esperava veio a vontade explodir a razão mais uma vez, porém a cova imediata daquele solo se abriu feito uma ferida cálida, lembrando que o solo e de cuidado agora e que uma noite a mais sem ouvir confissões de amor, pode servir para que este venha mais denso e infinito do que antes. J.M.N.
2 comentários:
Devastadoras são tuas respostas...
concordo plenamente.
Bjim.
R.
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