terça-feira, 17 de agosto de 2010

Questionamento

Para Lícia

Não cuidei de ti. Fui um sentimental de mim mesmo. Um estúpido tentando sustentar em minha voz o que o tempo me mostra agora que é insustentável. Aforismos.
Não consegui ser menor para aumentar o amor. Não houve espaço. O único tempo em que eu cabia em nós era durante teu sono, cuja placidez me encantava de tão contrária.
Não passei correndo por tudo que me irritava em ti e, por conseguinte, aquelas tão miúdas coisas não se tornaram uma brisa fresca que refaz a gente do calor da estrada.
Não te entreguei o rol de minhas roupas.
Não te passei a tarefa de zelar pela casa.
Não perguntei que sofá preferias ou qual seria o tapete que usaríamos para os primeiros convidados.
Deixei de cumprir tantas promessas que já estou endividado por duas gerações.
Nem orações, nem a unção dos enfermos me salvarão.
E por fim não entrei em tua dor. Não apelidei o dia final de nada. Sem créditos para qualquer coisa que tenha feito de errado, restou um longo silêncio de mar tranqüilo depois de uma bruta tempestade.
Precisava da brevidade da indigência. Queria que passasses por mim e me descartasses.
Tornei-me invisível, sórdido. Não preciso que entendas ou aceites, desde que seja um adeus tua certeza.
Soa o sino. A cidade está terminando para mim. Caem as casas, os abrigos. Lá de cima as ruas são tristes. É apenas ausência. Só isso.
Lembro da escarpa altíssima de onde deixei cair minha razão, há muitos anos. Só o mar lambe seus restos e não devolve nada. Assim seja.
Deixei de fazer tantas observações que não há no mundo cadernos de nota suficientes para retomá-las. Sei que estive entre nós. Talvez como um passageiro, talvez como um visitante.
Agora que abro a janela para antes de deitar ter a certeza de que tudo está diferente, nasce uma pergunta. Uma só... em qual das tuas mãos escondeste meu destino?. J.M.N.

13 comentários:

Isoldinha disse...

"Em qual das tuas mãos escondeste meu destino?" e em qual das tuas mãos, escondentes minha alma?
Nas duas, talvez...ou nas minhas mesmo e não consigo enxergar??

Anônimo disse...

Me roubou a fala.
Queria saber se estas pessoas p quem dedicas os textos sabem que escreves coisas tao lindas especialmente para elas. Morreria por poesias assim.

Flavinha

Anônimo disse...

Queridinho,

Concordo com a Flavinha. Acho que qualquer mulher morreria por palavras assim.

Beijoca,

Jane

José Mattos disse...

Isolda amiga,

Estarei em sampa fim de setembro, vamos nos ver.

Saudades,

J.Mattos

José Mattos disse...

Flavinha,

Finalmente "te vejo" por aqui. Saudades grandes. Quando vens ao Brasil?

Bjs,

J.Mattos

Anônimo disse...

Muito bonito o texto.
Não sabia que ainda podiamos encontrar coisas tão boas na net.

Isoldinha disse...

Oba!!!vamos nos encontrar sim! Me manda um e-mail depois falando quando vens.Beijos!

Anônimo disse...

Meu lindinho... que forma linda de colocar seus ais. Que maneira construtiva de de se despedir do que te açoitava e fazia mal.

Anônimo disse...

Meu dileto amigo.

Que primor!

"Soa o sino. A cidade está terminando para mim. Caem as casas, os abrigos. Lá de cima as ruas são tristes. É apenas ausência. Só isso."

Quanto encanto e desmoronamento.
É verdade, esses são tempos de travessia.

Obrigado por nos brindar.

abraços

Marcelo

José Mattos disse...

Caro marcelo,

Vindo de você isso é um elogio e tanto.

Abs,

J.Mattos

Anônimo disse...

Pura entrega esse texto. Lindo mesmo.

Amanda

Anônimo disse...

Eu te disse que ela visitava o blog nao disse?

Anônimo disse...

Não havia entendido o que se passava naquele momento da tua vida. Agora entendo e mesmo discordando de muitas coisas, acho incrível tua capacidade de escrever sobre o que sentes.
Meu lindo, a vida fica melhor com poesia, isso é fato.

Rebeca.