quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Quando tudo é novo, mas dói antigamente

“[…] escuto essas canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.”

Noturno – Ariano Suassuna

Tornar posse o que se revela intimíssimo e volátil dentro do que penso, custa caro.
Custa um dia inteiro de ferida.
Um travo permanente na boca, entre a decisão de dizer e o momento da entrega à verdade.
O que vai nascendo no dolo da auto-intimidação é a pronúncia rasgada das coisas mais difíceis, das ruindades mais despertas em meus atos diurnos.
A coisa em si de ter prazer nos avessos, na sangria da cortesia, de tudo que aprendi ainda muito novo no colo de minha avó.
Vai fazendo cascata e dobra a força ao despencar dos olhos à ponta do verbo.
E quando acontece de partir para o cume dos dedos e das estações abertas em minhas decisões febris, a coisa que me formula tem o peso de um arranha-céu.
Ocupa uma quadra, mas invade a linha do horizonte para o alto, apontando como uma lança pronta a ferir o firmamento.
E calculo a proximidade do agudo que me exaspera em porções cada vez mais furiosas de saudade, de desacontecimentos.
É coisa perpétua essa fadiga da loucura que chama, que me deteriora, porém faz a grande matéria da vida soar menos fina e menos desgastada.
Em meio disso, inaugura-se a busca pela sorte que nunca vem.
É como a beirada do esgoto que dedica às nossas convenções e boas paisagens, o cheiro do que se foi pelo ralo.
É matéria nossa esse organismo pútrido que se arregala em rios sob nossos pés.
Já não penso em formidáveis tratados. Os romances estão muito além das minhas possibilidades e quando a casca que me protege quebrar serei eu de novo.
Um resumo de unidade, um pescador de divindades terrenas escassas. Muito escassas.
Quando já não suportar partir e me refazer, voltarei então para o silêncio que nos antecede a todos, sabendo que as mãos dos anjos estarão sempre prontas a reparar as feridas e que talvez cobrem uma dor a mais pela petulância de querer tudo de novo. J.M.N.

Um comentário:

Anônimo disse...

"É matéria nossa esse organismo pútrido que se arregala em rios sob nossos pés."

Fiquei pensando em como pode ser bonito e ao mesmo tempo horrível uma paixão avassaladora.

Me deu o que pensar esse texto.

Lua.