segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Oratória do estalo (ou “o berço do meu conhecimento, e dos meus limites”)

A minha mãe e minha avó Virgínia
que nos criaram dentro da maior proteção.

Vai te ajudar com os meninos, ela disse. Sabia muito bem o que estava fazendo. Não fosse o cheiro de memória do pequeno artefato, poderia dizer que era novo em folha. Mas havia dor nas ranhuras. Sabor de derrota e contentamento. Havia manha de contar as repetições em dobro. Sua vida era jacarandá, uma peça inteira. Minha avó deu forma ao maior medo da gente. Passamos a assumir as culpas banhados em sonoros estalidos de madeira nobre abrindo na pele tanto as questões devidas, quanto aquelas que nem eram merecedoras de atenção.

Nossa mãe acertava em todo canto. Arrependia-se. Fazia questão de dizer que era necessário. Nosso pai estava ausente. Talvez achasse merecido, talvez quisesse apenas esquecer que aquela herança de lei e pena, havia sido dele um dia. E fomos moldados dentro do razoável acesso de fúria de quem melhor nos conhecia. Havia complacência é claro, mas tínhamos que contar as palmadas. E era ai que nascia nosso saber. A cada estalo o reconhecer de que havíamos escapado à regra, de que tínhamos merecido o castigo. E mesmo não havendo razão, reconhecíamos assim mesmo.

Melhor seria uma sessão de reza com as caras voltadas aos cantos da sala. Mas elevávamos a impressão do riso até os píncaros insuportáveis da paciência dela. E tudo extravasava. E tudo zunia dentro do ouvido que era a forma de empatar a dor de crescer no dentro. Mas quando acabava, tinha o abraço e a insustentável culpa de quem batera. Na época sentíamos raiva, porém sem saber por que, sofríamos o choro dela também. Que nos agüentou como somos desde sempre. Que tentou e rugiu o controle que precisava ter, junto aos seus e que com a ajuda de justiça anatômica formou tudo quanto mais prezamos hoje.

Mesmo com as palmas marcadas, com virtudes dormentes ou entristecidas num mundo que não resguarda ninguém, existia santidade no castigo. Amor e culpa na postura da força e dentro desse fino equilíbrio de carinho e força nasceram outras tantas possibilidades de amar e fazer justiça. Quanto mais avançam os anos, mais a memória dá peso àqueles dias. J.M.N.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo texto. Voltar às raízes é sempre um exercício bom, por vezes doloroso.

Muito boa a tua literatura.

Vanda

Anônimo disse...

Neto amigo,

O visual do blog ficou muito bom.
Esperamos outro encontro daqueles.

Arthur e Tereza