Enternecedor é o livro com poemas de Emanuel Matos e fotos de Miguel Chikaoka. O livro me foi dado de presente pelo Neto, com carinhosa dedicatória do Emanuel. Presente bom é aquele que nos leva a outros mundos, outros tempos, aqueles de bem antes de anterdontem, como eu dizia quando moleque.
Esmagamentos e um sol de lascar, a mão firme de minha mãe segurando a minha e dizendo que já ia terminar – mais que respostas pra perguntas não ditas, lições para lidar com a ansiedade. Calças e camisas novas e sapatos lavados. Todo o exotismo do banquete paraense esperando na casa de algum parente. Um pouco de medo de ter que enfrentar os tios que sempre reclamavam do meu silêncio. Os dois pesadelos com aquelas bolonas do arraial: primeiro pesadelo: eu e meu irmão sendo engolidos por uma daquelas dentro do nosso quartinho da casa no Guamá; segundo pesadelo: minha mãe comprando uma daquelas e eu tendo que levar dentro de um Guamá Conselheiro atulhado de romeiros. Toda mobilização de nossos universos por causa da santinha que eu nunca via.
O Miguel enfocou bem algo que, em infância, eu nunca participei: a trasladação. Mostrou como são bonitos os fogos à noite, como a festa de explosões e luz pode compensar o barulho ensurdecedor. As imagens mostram ainda como a mãe de Jesus está entranhada nas vidas das pessoas em Belém (como na foto do que parece ser um açougue que eu coloquei no início do texto).
“A proposta do livro não foi fazer dos poemas legendas das fotos, e nem das fotos ilustrações do poema”, daí a liberdade com que Emanuel Matos espalhou seus poemas deliciosos pelas páginas de Cenas da Fé, polinizou mesmo, lançou os versos com mãos de lavrador. Sem pedantismos nem fanatismos, o poeta mostra como Belém se vê, pelos olhos da santa, em reflexos suavizados pelos ares de outubro. Como Belém construiu-se mais feminina que outras cidades por ter adotado como bordejamento para o desamparo uma rainha. O achado de Plácido parece ter sido mais que um milagre, foi o batismo de uma cidade da qual o livro me fez ter saudade.
2 comentários:
Lindo!
Senti agora que foi um bom presente. Te agradeço também a forma de dizê-lo. Não poderia ser melhor o post, falar de coisas belas de maneira bela, terna, infantil. Voltar lá naqueles recônditos de nós esperando encontrar os mesmos cheiros, os mesmos monstros, os mesmos rostos e também um pouco de fé - ou muita - não é?
Abraço meu amigo.
P.S. 2 posts em seguida!?!?!? A GLÓRIA!
Netinho, Netinho. Uma pena não te poder falar no virtual as coisas que te falo quando estou na tua presença real quando teces comentários do calibre desses do seu post scriptum. Não, não faria isso, é bem provável que tenhamos a mesma debandada de amigos e a quase simpatia dos colegas se tornando antipatia instalada dos desafetos...
Mas enfim, gostei mais do que esperava desse presente. Eu que tentei fazer duas vezes a primeira comunhão e só consegui na terceira. Que me confessei uma vez e não me senti perdoado de nada. Que achei que a hóstia poderia ter um gostinho melhor. Gostei não por uma religiosidade, mas porque me levou às mulheres que me protegeram durante a infância: dona Cecé, Sônia, a santinha...
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