sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Sobre o que foi decidido

Retorno do arco dos sonhos e o que vejo é a realidade ainda mais dura e inquieta. Falta-me o costume de receber as coisas com naturalidade. Cada nova beleza – uma conquista; cada tragédia – meu último dia. Sigo pensando: como fazer para abraçar o que é normal? A dúvida cai quando a lembrança engraçada reflete: não existe tal coisa – o normal. E então posso cantar para ela com seu enxoval costurado desde os 11 anos. Posso absorvê-la na indiscutível maciez de um desejo exaurido e gostar ainda mais do que ela me foi. No mesmo instante, outro me vem. Mesmo que negue, que surja de supetão uma saída para sua interminável tristeza, posso ver dentro dos olhos dele a comoção cruel que o tempo passado lhe causa e dizer-lhe com a mesma calma dos que aceitaram à pena: essa dor é para sempre. Este meu estado de agora, como uma era descrita em seus milênios, porém vivida todos os dias, como se fossem comprimidos de um passado secular. Vem em meus escritos o nome da casa. Ocorre-me o perdão que deve ter sentido o assassino ao morrer pelas mãos de um seu semelhante. E penso nela mais uma vez. Resistindo às evidências, apesar da razão pura que consagra. Deixo, sem rir, a sala das lembranças e vou direto ao porto do abraço. Envolvente. Sólido. Feito de humanidade e sentido. Interminável no tempo das letras, meu castigo se locomove entre seus braços. Enquanto escrevo romances e contos fictícios, ao mesmo passo que invento personagens e perigos, ela golpeia a realidade me oferecendo um suco, um doce ou outro abraço. Por um fino segundo. Espalhada entre o tempo de eras e a seta de tempo, indicativa do presente, ela é como ilusão e verdade, matéria e antimatéria. Contínua e descontínua em meus desejos. Fazendo-me bem quando necessário e talvez, por isso mesmo, eu sinta a voz da sabedoria e da idade, dizendo-me em tom solene e finalmente amigável, que eu tomei as decisões corretas, ainda que para mim, tenha sido tão somente a decisão de amá-la. J.M.N.

Um comentário:

Isoldinha disse...

Estava com saudades do blog. Vim dar uma " passadinha" aqui e não consigo parar de ler. Lindo este! "como fazer para abraçar o que é normal?"Boa pergunta!