segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Imprudência

Para A.P.D.

Poucas vezes vi tamanha confluência de perfeições.
Olhos, cor, cabelos negros, atrevimento.
Incômoda presença que não me está ao lado, mas numa tela, solando sua incrível textura de impossível por muitas horas da minha tarde sobre as ondas da rede.
Será possível que eu esteja vendo um ídolo antigo, esculpido em virtual realidade? Não em bronze ou pedra – carne, osso, funções renais, coisas assim.
Tão viva que nem a distância do espaço ousa calar o que ela causa.
Olho-a com os temores de quando eu descobria meu corpo e de pronto me vem uma janela suspensa.
À noite, relicário dos amores primitivos, entravam ilusões e cristais pelo balcão onde eu esperava que o mundo me conhecesse.
Ferve a têmpora desacostumada a ser tomada de surpresa. Sinto esse corpo que não pode ser meu. Tão potente. Tão estrangeiro.
A imagem dela mais que perfeita em seminudez projetada, feita pelas mãos do fotógrafo para desmantelar a gente.
Arrasto o trabalho. Golpeio tudo que não diz respeito à perfeição. O dolo acontece por tê-la na ponta dos dedos, tocada na inviolável figura de musa.
Ela cede ao meu olho e parece piscar-me de longe. Uma única chance.
Seu maneio de cabeça da foto seguinte foi para mim, certamente.
Vou com fome.
Boca aberta direto à luz daquela imagem.
A língua em pluma sente o deslizar estéril da tela. Led ao que parece, sem gosto algum.
Ela não entrará nos meus sentidos por essas vias. Não há tato que eu possa dedicar a ela e então construo o que me recompensa.
A ideia de que foi apenas intuição.
De que alguém assim não pode existir. Se não a vejo frente-a-frente, inexiste.
Minha tarde está refeita.
A partir de hoje andarei com a cabeça baixa, impune por ter lambido a mera possibilidade e com medo de encontra-la por ai, tornando-se aquela que me diria para eu ter cuidado com o que desejo. J.M.N.

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