terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Naturalmente

Agora que o beijo é constante e as pragas enviadas supostamente pelos céus esmoreceram, pergunto fino na calada da noite: ainda tens o poema escrito que te fascinou noites atrás? É uma pergunta perdida. Uma retórica estúpida que pretende tão somente saber se ainda pensas naquilo tudo. Se teu sorriso incontido é sinal de que moramos secretos um no outro. Quero que saibas que tudo quanto ainda escrevo, faço por não te ter deixado morrer em meus escaninhos, nas minhas relíquias. E talvez seja esta minha maior inconformidade, pois no fundo sei que nenhum assassinato tiraria tua presença. Enquanto resolvo parte do suposto saber que nomeia agora meus planos para o futuro, vou enganando a fome da tua presença com mais páginas mergulhadas em confissões e alardes. Como se fosse natural contar coisas depois da morte. J.M.N.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sinto tua presença. Renasço solitariamente a cada leitura tua. Inveja, agouro?! Amor, simplesmente. Tardio, conflituoso, esperançoso, involuntário. Eco atormentado. Morte anunciada. Morada secreta em mim.

Anônimo disse...

Agora, os desejos são recordações...

Anônimo disse...

A três dias de distância, caminhando em direção ao sul, encontra-se Anastácia, cidade banhada por canais concêntricos e sobrevoada por pipas. Eu deveria enumerar as mercadorias que aqui se compram a preços vantajosos: ágata ônix crisópraso e outras variedades de calcedônia; deveria louvar a carne do faisão dourado que aqui se cozinha na lenha seca da cerejeira e se salpica com muito orégano; falar das mulheres que vi tomar banho no tanque de um jardim e que às vezes convidam - diz-se - o viajante a despir-se com elas e persegui-las dentro da água. Mas com essas notícias não falaria da verdadeira essência da cidade: porque, enquanto a descrição de Anastácia desperta uma série de desejos que deverão ser reprimidos, quem se encontra uma manhã no centro de Anastácia será circundado por desejos que se despertam simultaneamente.

A cidade aparece como um todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer. Anastácia, cidade enganosa, tem um poder, que às vezes se diz maligno e outras vezes benigno: se você trabalha oito horas por dia como minerador de ágatas ônix crisóprasos, a fadiga que dá forma aos seus desejos toma dos desejos a sua forma, e você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo.

As cidades e o desejo 2 de Italo Calvino.