segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Eis um homem (de quem ouvi falar)

Os clérigos contaram suas histórias. Estranhamento e fuga. Deus era mais próximo do que lhe diziam, era o que achava. Estava nos seus erros, estava em seu pessimismo e em sua sincera falta de alegria nas coisas mais simples do dia-a-dia. Aliás sua convicção levou-lhe a todos os cantos do mundo, procurando a Deus. Procurando-se. Seus limites. Suas imensidões. Seu homem como espelho procurava, a humanidade que se enfrenta em abraços cada vez mais escassos. Foi-se pelas águas dos mares e pelas dunas secas de muitos desertos. Não era bem um homem de crenças. Cria na humanidade, todavia. Certa vez teve uma visão e a seguiu durante muitos e muitos anos: alguém abandonado na chuva era mais bonito do que véspera de Natal, mais bonito do que um barco minúsculo enfrentando o Pacífico. Uma pessoa que se molha na natureza insuperável desse mundo é matéria de vida, uma escultura preciosa de se ver. Tudo é silêncio ao redor. Tudo está ao seu dispor. Não há a mediocridade da classe média, a mesquinhez dos abastados, não há classes. Há a pessoa em si. Sozinha em si. Lavada pela única água que abençoa. Cheirava à divindade que perdemos em nossas bocas humanas nas falas do tempo. Criando limites, enxertando pesares quando tudo deveria ser um dia após o outro. Cintilava a pessoa na chuva que ele viu e amou instantaneamente. Não porque fora abandonada aquela pessoa que ele viu sozinha na chuva, mas por que era perfeita. Seguia pela fina estrada da existência mesmo sem ter ninguém por si. Encharcado de tanta vida que lhe foi impossível sentir-se diminuído pela imagem. E assim virou o líquido que encimava a pessoa deixada à própria sorte. Molhou-se de tanto sentir que era necessário estar disponível para todos em todos os lugares. Dia desses, foi o que me disseram, ele foi visto enchendo rios em províncias do sul. Choveu-se sobre mil pessoas que não bebiam águas do céu havia anos. Encontrou-se. J.M.N.

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