"É uma estrada nua,
nem mesmo a lua se atreve a lhe doar caprichos.
É pele inventada, destituída de músculos,
veias e sentidos.
Direção de nada."
(O oráculo do grão - texto XIII)
É quase certo que há vantagens no esquecimento, mas no fundo eu as substituiria todas pelas resistentes mágoas de um amor desfeito em meio a traições, perigos e não ditos. A humanidade tropeçou no amor e não o contrário. E havia aquela mulher atirada na varanda, chorando abandonada me pedindo pelo amor de deus para esquecê-la, pois seu desespero era não poder resistir às minhas investidas e eu, de minha parte, assaltado pelo terror de querer confessar minha vaidade, minha fragilidade e covardia diante do monumento de sua entrega, apenas enxuguei as lágrimas e essa foi a pior decisão que tomei na vida. Ao ver suas unhas bem feitas, seu vestido passado com gosto e cuidado, suas presilhas de cabelo bem postas conforme sua vaidade recente, tive uma raiva de mim mesmo, pois parecia que havia destruído a sua beleza natural, havia drenado suas forças para o vazio de minha espera pelas sombras de um passado, nem muito belo, nem muito amável. Olhei àquela enorme figura que se assomaria aos meus fantasmas mais assustadores – como quando em criança vi o seio avantajado de minha ama a procurar-me para o alimento da manhã. Em tons agrestes de verde e cinza, minha vista foi-se escoando de seus significados e passei a contemplar a mais bela forma que jamais vira, quase sem saber se existia ou se era produto de minha imaginação. Ali, estirada sobre seu choro corrido, olhei-a muito mais dona de si do que eu jamais poderia ser e soube que havia cruzado uma fronteira proibida. Havia alcançado às terras desoladas da doença de estar sem ser e como fosse possível esconder meus medos, dei-lhe a mão pedindo-a para sair. Foi quando ela me olhou nos olhos e disse sem nenhum tipo de mágoa ou amor: nunca mais sairei dai! E apontou para o meu peito. Naquele instante, soube de pronto que jamais estaria sozinho.J.M.N
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