terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A densidade do abraço

Dentro de mim congelado o ato irrequieto de estada, pertencimento. Quando farsa, a mola da repulsa se ativa e a coisa agarrada se distancia, dentro da gente acalma tudo quanto maldade. O abraço antigamente tinha sintomas que perduravam.

O tom quente e vermelho do enlace, o arco suave do bater de dedos na espinha de quem estava e a semente plantada pela recolha sensível dentro dos braços. Abraço era unir-se a si mesmo pelo outro, ato purinho de criação da gente. A comunhão perfeita de aceitar-se para se dar integralmente.
Oriundo de um tempo em que o quadrado das águas era sem mapa e na lousa se escrevia a lição de casa, a casa era a antessala do sossego e este último a única inspiração, a entidade nascida no molde dos corpos, transitava nua sob a linha umedecida do afago, da espera, da entrega e das coisas tenras.

De ossos perfurados, estrutura difusa, arquitetado agora em redes virtuais, o abraço definha e se beija noutro espaço. Naquele em que eu e você não somos nós nem somos nossos, despertencidos. Somos de todos e esperamos mais nada. Dentro do abraço de hoje eu curto o que me enjoa, o que se publica, a mostra satírica da liberdade sem dose ou terrenos. O que se expõe, mas não se tem. Liberdade erma.
O abraço foi perdendo os dentes e a loucura boa de dar em qualquer lugar, de ser verde e fundido, agarrado e demorado, quase infinito. Muitas vezes em vazios imensos, muitas vezes sem uma palavra que explique. Porque qualquer lugar agora inexiste e abraço é só uma palavra que ata os membros superiores de pessoas cada vez mais desconhecidas. J.M.N.

Um comentário:

jamil damous disse...

Vc escreve muito bem. Ótimo texto em prosa poética.