quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

LIVRO: Mata! – O Major Curió e as Guerrilhas do Araguaia



Acabo de ler o livro do jornalista Leonencio Nossa, “Mata! – O Major Curió e as Guerrilhas do Araguaia”, editado por Companhia das Letras em 2012. Devo dizer: um livro necessário, bem escrito e com detalhes interessantes sobre os ciclos econômicos do estado, sobretudo, a partir da intervenção militar que culminaria com o extermínio dos guerrilheiros do Araguaia, entre 1972 e 1975. Entretanto, em minha opinião, ainda não é “O” livro sobre o terrível personagem que reinou no sul e sudeste do Pará desde a época da ditadura até recentemente. 
 
Mesmo com imensas qualidades como descrições detalhadas das incríveis, e por vezes surreais, relações entre personagens históricos de todo Brasil e muitas das pessoas que fizeram a história recente do Pará, em especial na região de Curionópolis, El Dourado dos Carajás, Marabá e Parauapebas, senti falta de demonstração e esclarecimento mais firmes sobre os feitos de Sebastião Moura, o terrível Major Curió, enquanto comandante das tropas que dizimaram guerrilheiros, torturaram moradores, obrigaram pessoas a trabalhar como delatores e guias do exército, além de ter comandado com a mesma intransigência espartana da caserna, o garimpo de Serra Pelada, a criação de Curionópolis (uma das muitas excrescências do Brasil contemporâneo) e os levantes que culminaram na criação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.
 
O trabalho de Leonencio, que visitou diversas vezes o Pará, seguiu pelos rincões do Brasil muitas pistas sobre a vida de Curió e ainda usa e cita referências de peso da historiografia paraense como o livro Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos Políticos na Província do Pará, de Domingos Raiol, sem dúvida tem o mérito de escrutinar eventos de pouco conhecimento dos paraenses, como a vida dos “formigas” em Serra Pelada, seu sistema social e econômico, o trabalho escravo promovido por famílias tidas como baluartes de nossa sociedade e que enriqueceram às custas da pobreza de muitos imigrantes e colonos na exploração da castanha. No livro, essas figuras tornam-se, muitas vezes, personagens secundários, mas servem de alerta para o fato de não conhecermos nossa história e colocam em perspectiva a história de enriquecimento da elite paraense, cujas origens históricas nada têm de nobre ou lícito.
 
Mata! deve ser lido e estudado e deve servir de base para outros trabalhos, quem sabe da próxima vez, realizados por paraenses, pois isso também salta aos olhos... Assim como o livro de Taís Moraes e Eumano Silva – Operação Araguaia, trata-se de obra de um estrangeiro. Precisamos dedicar mais tempo à nossa própria história, senão, as visões sobre o que é o Pará e a Amazônia serão sempre crônicas de quem passa e não documentos e historiografia local. Faz-se necessário, por tal, relembrar que as pessoas que podem contar e certificar os acontecimentos da Guerrilha do Araguaia e das diversas insurgências que se seguiram na região do Bico do Papagaio e outros lugares do Norte podem não estar entre nós dentro em breve e, portanto, é urgente adensar os registros e pesquisas sobre o tema.
 
Por fim, mesmo sendo um bom trabalho, o livro de Nossa registra que há muitos arquivos pessoais de Curió ainda não conhecidos e que, como parte do mito, o próprio Curió se reserva o direito de manter informações vitais que esclareceriam inclusive os casos averiguados pela Comissão Nacional da Verdade, tratando-se, pois, de material essencial ao trabalho de recuperação histórica e reparação às famílias dos desaparecidos não havendo mais tempo ou desculpas para serem acessados e analisados com a profundidade que merecem. J.M.N.

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