quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Cartas a ninguém (19.02.2014 – 03:34 a.am.)


Voltei Amor,

Depois de quanto tempo não contei. Mas estou aqui. Enfadado e furioso pelas tantas coisas que me dizem a teu respeito. Invasivos, desordeiros, inimigos tão próximos. Atingem teu nome, arranham a pintura da tua casa, estilhaçam as vidraças. Mas, para mim, serás sempre a mesma e tua casa, a moldura de quando eu era mais completo. Serás sempre a dona dos mesmos cabelos macios e de todas as cicatrizes da perfeição sobre as quais meus olhos desenharam um destino quase.

Voltei, pois preciso te perdoar por ter deixado os mapas à mão. Perdoar por teres riscado os caminhos para que eu me perdesse e pudesses ser minha heroína ao resgatar minhas sobras no fim da aventura. Perdoar, simplesmente, por já ter me perdoado de dentro pra fora, em todos os contornos da minha tristeza continental. Perdoei-me sem martírio ou silícios. E procuro calar teus inimigos gritando-lhes sobre as vozes deletérias que suportaste o que mais ninguém suportou.

Quero contar-lhes as verdades sobre tua cadeia, teus pés cimentados à beira do rio. Mostrar-lhes que a espera foi teu castigo e o quanto isso fendeu tua ideia de horizonte. Voltei para, de certa forma, cumprir a promessa de mostrar quem sou e dividir com a posteridade que aguarda a explicação de que sim, fui ao mesmo tempo vilão e benfeitor. Assecla da permanecia e principal conspirador da fuga. Não contribui em nada para o senso de pertença.

Então, Amor, por mais que seja ódio o que te impede de me dirigir palavra. Por mesmo que seja o desejo de morte e de um olá. Defenderei aguerrido teu direito de imobilidade, de seguir todas as regras e de impedir o sol de atravessar tua gelosia. Mas nunca, Amor, de nenhuma forma, aceitarei que desistas de tentar, que te impeças de olhar o mundo com menos chumbo ou desespero sobre as pálpebras.

E por toda a imensidão de pedidos de socorro que cabem no teu silêncio espartano, Amor, atreverei cruzar mais uma vez a rua por onde passas e te oferecer meu casaco para evitares uma poça de lama e segurar tua mão quando o salto alto quebrar. Sem pedir nada em troca, senão para que te perdoes também, pois já vai longe o tempo em que o peso de duas vidas te exigia um esforço sobre-humano ao caminhar.

Sinceramente,

J.Mattos

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