terça-feira, 30 de outubro de 2012

Insuspeito

Olho através da fechadura. Estou comprometido. Atrás de mim a pouca vida sem sentido que me havia. Do outro lado, através do pequeno furo, a imensidão de coisas que não tinham preceito no meu pensar. Não sabia que palavras fazer juntas para aquilo. Dei de inventar. Enquanto mais entrava pelo buraco, mais se espremiam palavras. De tarde sempre eu tenho invenção de pessoa, me furou o olho a impressão da mulher nua. Ali estava eu. Sentindo através da brecha. A fehadura corrompida. A porta fechada ainda. Atrás de mim não era coisa nenhuma senão soldadinhos sem missão e carros de aluguel para minha inutilidade. Ali sim, fazi sentido. O corpo que eu ganhara, o sabor da tarde nascendo na lingua – com pelos, pele escura, um peito enorme. Ali eu nasci para dentro. Foi meu primeiro parto. O nascer, assim dito, foi apenas a estréia da luz sobre o que eu tinha de carne e incertezas. Aquilo ali foi a minha primeira certeza e junto dela, eu tinha a palavra. Mas preferi ficar em silêncio mais um pouco. Enquanto ela fingia que se escondia e eu fingia estar entendendo que eu existia. J.M.N.

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