sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Micro-romance XIII (ou “Silogismo”)

Não, eu não disse nada a respeito, no início. Apenas sua presença aconteceu. Meu sorriso envergonhado porque ela estava ali, ao alcance do meu precipício. Mas não deixei escapar nada. Ela estava ali e era o bastante. A noite nos presenteara com um calor de conforto. Eu não tinha razão para sentir frio ou tremores, portanto. Mas ai ela saiu do carro. Íntima de toda minha saudade, essa estranha que elege os piores momentos para me lançar suas escrituras. Tenho certeza que meu rosto corou. Eu não sabia o que dizer e troquei seu nome. Ela riu. Mas, afinal, qual a razão dos convites? Enquanto eu repassava três tomos de um tratado qualquer em revista – um tenebroso exercício de medo e astúcia – seus braços me fizeram algo. Tomaram minhas certezas, escavaram os limites de meu canteiro de obras – reparos na estrutura mais profunda. Seus braços foram até o portal da minha entrega, e não ousaram ir além. Ela sabia. Sentiu no mesmo instante a fúria perigosa daquele apego repentino. Seu hálito me fez primaveras. Eu seria dela sem som algum. Próprio e completo como um ser que já viveu várias tormentas. Ou podia ser o que fui depois que sai de seu toque – alguém que a quer. Que ocupa o mesmo lugar comum daqueles que a veneram de longe. Que não sabe se isso chegará a se chamar amor um dia. Entretanto, alguém que seria dela caso seus braços ficassem ali por mais meio segundo que fosse. E ficaria entregue àquilo que seu código pessoal ainda não permite atinar sobre o mundo, sobre o cerne e a margem do leito, sobre a honra molhada do mais incrível beijo de amor. Aceitei seu convite. Com o temor de quem teria de conquistar um triunfo para voltar e ser aceito em Esparta. Aceitei o apreço fulminante que a idade imputa à debulha dos sentidos. Me vi saindo das favas, núcleo de alguma coisa que alimenta e deflora. Essa mão mágica da descoberta sobre o que não deve acontecer. Os mil tópicos da moral que se cobra por ai. Lambi os dedos, depois de enfiá-los na textura suculenta do que senti ao seu afago. Essa calma dominante e progressiva que não paralisa e dá mais certeza ao que virá. Depois do adeus, aquela orquestra imaginária que desanuvia. Altissonantes os acordes do impensável. Um sobre o outro imitam o que não foi dito, mas houve. Todos os sons apontando incertezas e todas estas descascando a fina pele protetora dos meus estragos recém-vividos. Não houve beijo, não houve muitas cores e, certamente, não haverá sossego até revê-la. J.M.N.

4 comentários:

Anônimo disse...

Meu querido, meses sem te visitar por aqui e encontro esse lindo escrito. Não mais o caso de um ou outro texto que deu certo. Esse é o texto de um escritor completo. Tranquilo com o estilo e com domínio da língua. Te ver escrever assim traz enormes lembranças de quando era tudo cheio de dúvida. Não contive uma lágrima e logo estva chorando mesmo. Mostrei à mamãe que lembra de ti como o menino educado e supertímido que pdia seus bolinhos de arroz lá em casa. Lembro de ti como um amigo eterno e desde que li o que escreves penso em ti como um grande escritor.

Beijo grande,

T.

Anônimo disse...

"Um sobre o outro imitam o que não foi dito, mas houve".

A espreitar tua felicidade...
Impossível não querer está em tua trilha. Há sempre algo a dizer.

Anônimo disse...

texto lindo, amei o blog. pena ter demorado tanto para encontrar algo assim. bem pelo menos posso ler um monte de coisas acumuladas.

beijos e parabéns

Anônimo disse...

Hermético. Enigmático. Sensível e quente. O necessário para ser poeta.