domingo, 23 de fevereiro de 2014

Dez Encontros (IV)

Um tranco tão conhecido aquele da cabeceira da ponte entre o continente e a ilha onde nasceu. Retornava no seu carro que tem um banco macio, mas não tão acolhedor quanto o colo do seu pai no dia em que deixou a ilha com 2 anos de idade.

Antes de sair da ponte já sentia os anos se desmultiplicando dentro si. Ali naquele lugar havia quintais onde cresciam os camapus – quem realmente se importava se os camapus ainda cresciam nos quintais se não ele? esse homem que rebentava menino diante daquela esfera verde e sensual que se oferecia no meio do matagal como uma pérola da infância.

As ruas vazias, nelas se esbarravam apenas as memórias. As calçadas altas que foram seus segundos interditos. Não queria ter saído tão pequeno. Queria ter sido mais filho daquela terra apadrinhada de Nossa Senhora grávida de Jesus. Queria ter aprendido a beijar com os lábios untados de abiu roubado. Seus amores, abençoados pela seiva dulcíssima, seriam todos candidatos à eternidade.

Viu as ruínas da mercearia do tio onde um baleiro giratório seduzia a si e aos irmãos. Sentiu no braço o aperto da mão pintada do avô a segurá-lo num tempo onde mulheres se transmutavam em porcos e seres míticos reivindicavam tabaco com assombrosos assobios. Aquela permanência forçada num mundo de visagens e deuses desejantes, agora sabia, tinha sido decisiva pra escolha do seu ofício. Ao lado, por uma janela matinal viu um gesto repetido a séculos. Era a velha feitiçaria das mães que modulam a temperatura do café do filho usando duas xícaras.


Eram encontros com sabores e cheiros tão íntimos, mas tão íntimos que chegava a ser estranho. Era sua razão que se arredava. Eram as palavras enrodilhando algo indizível. Eram retornos pra lugares de onde nunca saiu. Era ele, tão inegociavelmente semelhante a si mesmo. wdc

3 comentários:

Anônimo disse...

tão leve, deixando uma sensação de desalinhamento entre a idade que temos e a idade que se imagina na escrita. Como mudamos , mas ao mesmo tempo, como permanecemos sendo o mesmo.

Sara

José Mattos disse...

Lindo meu irmão. Lindo mesmo.

Anônimo disse...

Lindo!