sexta-feira, 8 de junho de 2012

Saudades intrusas

Chegaram sem aviso, nem à porta bateram. Teriam entrado pela janela? Ah essa minha janela sempre aberta.
Vieram insuspeitas, trazendo de borla todas as vozes caladas das bagagens que deixei por ai. Minhas cidades invisíveis e desertas é o que me diziam as vozes silenciosas enfurnadas nas sacolas e mochilas.
Cheiravam à alfazema de uma avó muitíssimo amada. Ora os odores eram a pura madrugada ou fruta mordida ao meio, deixada no campo depois do revés da sorte.
De repente moravam todas dentro de mim, mais uma vez. As fotos regressaram lagrimosas e empoeiradas. E do fundo das gavetas soltaram mais intimidade do que eu estava pronto para sentir. Noite sozinha.
Primeiro foram as mais antigas. Tão ancestrais que os nomes não haviam sido escolhidos, porque as palavras não tinham sido inventadas. Temi a tristeza das coisas e das pessoas sem nomes e utilidades. Só eu sabia o que eram para mim. E esse egoísmo de gente me deu uma dor por nunca sumir inteiro. Fica voltando.
Nessa visita inesperada, todo mundo que zunia fininho e tinha de lidar, vis-à-vis com a verdade de meu choro, de meu luto ainda por muitas delas – deixaram a sedução. E tive medo pelo animal indefeso no qual me converti para receber as saudades intrusas de uma vida inteira e de mais as outras vidas inteiras de quem as dividiu comigo.
Tomaram meu vinho, comeram minha comida e até sentaram à mesa para olhar bem no fundo dos meus olhos e requerer explicações.
Por que não vêm mais frequentemente? Por que foram deixadas? Por que havia tanto silêncio?
Eu não sabia responder. Cozinhei-lhes o tempo até o cansaço da manhã chegar. E enquanto rasgava as frestas, o sol matinal, foram embora. Desatendidas as saudades intrusas. Morrerei entre os indiferentes? E se não suportar tal destino, posso pedir perdão? Foi tudo o que pude pensar depois que se foram juntas encontrar outra janela aberta às perguntas que não calam jamais. J.M.N.

3 comentários:

Anônimo disse...

Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo - uma coisa que entende.

Anônimo disse...

Que faço com a saudade?

Isoldinha disse...

" Temi a tristeza das coisas e das pessoas sem nomes e utilidades. Só eu sabia o que eram para mim. E esse egoísmo de gente me deu uma dor por nunca sumir inteiro.".Que coisa mais pungente, poeta!