domingo, 19 de janeiro de 2014

Dez Encontros (II)

Não dava crenças àquela solidão. Havia os peixinhos muito ocupados em existir. Faziam-lhe uma líquida companhia. Ela dava-lhes comida todos os dias e água novinha todo final de semana. A eles, aos peixinhos, sobrou todo zelo, preocupação e as reconfortantes queixas cotidianas: cuidar ancorava sua vida a algo delicado e definitivo. Pensar isso a fez sentir-se pertencida. Há 6 meses perdeu seu homem numa dessas curvas demasiadamente abertas que a vida, sorrateira, vai interpondo entre dois seres até transformá-los em breves fantasmas do que foram. Baixou a cabeça e olhou pra frente daquele jeitinho que ele adorava. O espelho se esforçava pra dizer a ela a verdade da forma mais gentil. Notou os sulcos crescidos percorrendo os subúrbios dos seus olhos. Foram dois anos de rega e escavação, eles tinham mesmo que crescer. Pensou neles como quem se abandona ao tempo e compra um conforto. Já não se reconhecia nessa parte de si nascida da barriga de um homem. Criara uma amizade com o presente. Deixou os ventos avarandarem suas ideias. Restada naquele encontro consigo mesma, não olhou pra trás nem pra certificar se a nova lingerie cumpria a promessa de tornar o viço da juventude mais que uma doce lembrança. Aqueles pés de galinha não caminhariam pra longe de seus olhos assim fácil. Pegou um de seus cremes, enroscou o tampa e afundou o anelar na pasta branca. Sorriu e desenhou um círculo em volta do pezinho do olho direito. Estava em paz. WDC

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo!