segunda-feira, 30 de julho de 2012

Exausta nota

É para sempre esta distância. Declaro a morte daquele meu último sorriso. E mais: estou com dores de idade, não consigo comprar fiado um único fósforo para acender a última fogueira, estou cheio de sorrir aos outros e mostrar meus dentes sem dar uma boa mordida na felicidade alheia. Enfim, civilizado. De tudo o que ficou – mais medo e experiência que qualquer coisa – esta violentíssima vontade de gritar teu nome. Por nada mais senão memória e vício, costume ou sintoma. Mas não sai. É para sempre este silêncio. Teu nome preso no meu engasgo. Agora é esquecer a condição de antes, aquela completude exuberante, lábios, poemas e pernas entulhados por todo canto da casa. Em cada veia, em cada tipo de circulação, teus nutrientes atingindo minha pouca alegria de espécime. Escavo papéis e encontro a saudade doendo e latejando sobre tudo. A cada palavra que descobri, perdi mais da substância que me fazia teu. E porque falei de tudo quanto sentia pelas linhas desta mortalha dos ditos e dos contos de amor, agora não irás à minha estreia. Sequer poderei te oferecer um livro. É para sempre este cansaço de esperar o que nunca mais virá. J.M.N.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Porque já houve um amanhã

Hoje penso no amanhã como uma janela sempre aberta. Nada de morrer novo e com muitas histórias mal contadas sobre mim. Amores por ai pensando no que fazer com minha loucura. O que fiz, fiz nesta existência, sob a ocupação noturna das estrelas. Em nome de romances que nem sequer escrevi, porém, contei a tantos. Vivi mais humano que muitos, subitamente entregue à manhã das manhãs. Acordei como água nascente. A lamber a terra de todos os caminhos. Algumas vezes fiz desgraças. O peso dessas lições ainda está. Por vezes eu fiz pessoas amadas sofrerem, mas não sem antes sofrer imenso. Há mais uma nota a ser escrita. Mais uma data a comemorar. O dia exato em que nasceram a latitude e a longitude do que fui e sinto nesta altura da vida. Este dia que vai morrendo. E porque o tempo já vai seguro em novo barco, posso dizer. Posso açoitar lembranças com as nossas lembranças. Posso fisgar os peixinhos cardumes de quando eu fazia a felicidade deste dia. Data de abrir-se. Entre abraços e cópulas com as palavras vou me saciando a existir, sem medo, nas lembranças deste dia. E se repito isso por mais um ano é por não haver razão em desfazer as relíquias. Ainda não há sentido fazer-lhes de testamento. Haverá o dia certo para esse pago. Enquanto isso, repito brados e a vocação de extinguir-me entre os braços amados, oferecer a distância segura e o morno da carne num beijo comprometido. Apenas para celebrar quem renasce em mim, independente dos calendários, de convites ou das palavras. J.M.N.

Para ler escutando…

terça-feira, 10 de julho de 2012

Império

Eles me disseram vem. Vem a nós com as próprias pernas, teus estranhamentos. Vem encarregado dessa coisa utilíssima que é a tua graça. Resina a unir nossas pontas soltas. Carrega outros quantos quiseres.

Eles estavam às portas do meu futuro, por onde entrei e finalmente encontrei a cama feita, meu suspensório da infância, minhas fotos dentro do circo, com muitos palhaços e seus malabares. Nenhuma das minhas roupas seria descartada ou se tornaria pano de chão.

Encontrei no calor de sua recepção a distante paz dos afastados, dos que se pedem por toda a vida, mas não chegam nunca a si mesmos. Eles. Feitos de cedro, cheirando a milênios e fazendo as mesmas imensas coisas de cuidar que faziam no vale das almas, antes do tempo. Amplidão sem tato que é o olhar daquela gente. Um universo inteiro em seu sorriso.

A gente de um presente mais que humano, a vencer o medo de se apegar fácil. Emprestam suas redes. Cedem seus quartos e penhoram a tranquilidade do sono para que eu esteja. Essas pessoas monumentos que não fazem abrigo, pois são abrigo. Sob quem eu felizmente esqueço a minha dor.

Aquela gente de um templo antigo, cuja reza, além da cura, traz a harmonia desejada desde o ventre. Gente que empresta seu Cristo não por caridade, mas por respeito. Gente sem a qual, certamente não haveria sentido em proclamar esperanças, afundar-se num abraço ou seguir adiante. J.M.N.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Palavras de Outrem

Esse cara de quem abaixo ponho uma poesia, foi a primeira pessoa que distribuiu um conto meu. Foi, na verdade, a primeira pessoa que abriu as portas da sua casa para eu ler minha pobre literatura e me ajudou a conseguir a façanha de pessoas gostarem de uma ou duas linhas.
Confesso uma alegria extra em poder chamá-lo de amigo. De Gustavo Autran Rodrigues... no Palavras de Ontem.

contrabajissimo

ando
ando e sei que sina
é esquina e susto

ando
e dobro apostas
como se tudo fosse caminho
como se nada medisse vida
como se os sinais nunca falhassem
como se o tango seguisse além dos quatro quarteirões

pra ver
que te ver me impele à vida
me impele à morte
algo de tragédia

rápida
ríspida
risível

quase leve
quase desejada

e que se volta
contra mim
num doente
contrabajissimo