Para Florbela Espanca
A dor de agora faz hora e senta. Descansa amarga na varanda triste.
De pernas pro ar, divaga coisas sobre mim: meus primeiros anos, minhas notas escolares. Atreve-se nas memórias mais felizes.
A dor de agora carrega um fardo. Ter de arrancar-me as entranhas, pois é dor e só faz isso. E de tentar intensamente se cansa. Está antiga. Dor velha que me acompanha.
Uma dama sem pudores, constante e intensa, como uma paixão.
A dor que me segue por onde quer que eu ande é uma náusea escarlate e persistente.
Já foi a Igreja, já namorou comigo, já fez troça dos meus assanhamentos.
É quase um ente, tem peso, um corpo duro, olhos até.
De onde veio eu não sei, não trás referências.
Sei que está lá, na poltrona, descansando, para mais tarde me servir o café com leite ou a janta.
Ah se eu fosse mais que um.
Tomava-a no braço e punha pra fora do meu alpendre. Mas dessa força minha, dessa raiva eterna, ela se alimenta.
Dor desfecho dos meus ódios, dos meus sorrisos.
Um amor perfeito que se perdeu
Um poema negro que se esforçou à vida
Um cântico morno, meus dias de domingo.
Dor, senhora dos meus desatinos.
Uma dama indiscreta em meio aos meus desejos. J.M.N
Nenhum comentário:
Postar um comentário