Teoricamente estou morto! Quase não tenho dúvidas. Apenas a insistência dessa carcaça ambulante que ainda toma para si as dores de andar, de olhar-se no espelho e, sobretudo, de acordar com a cama vazia.
Através desses olhos esquecidos as coisas passam sem função nenhuma. Imagens, cores, tecidos, tudo agora tem o mesmo dorso esquálido da solidão infinita. Diante do vago, apreciar a própria finitude é um achado.
Há três semanas decidi que mentiria apenas o suficiente para afastar as possibilidades de um grande desastre. Errei na medida. A morte chegou antes. Diante da respiração que se findou, da cor rosada que me fugiu da pele, atesto eu próprio meu fim.
Esse é um bilhete redundante. Serve apenas para saberes que já não sou nada. Talvez já soubesses enfim. Contudo, para mim, era necessário um algo mais. Só acreditei quando perdi meu peso, meu tato, meu paladar. E isso aconteceu no mesmo impiedoso momento em que te dei as piores mentiras.
Acaso possas perdoar. Não é uma doença. Não é uma necessidade. É algo com quê não contava. Assolou-me. Varreu-me da existência possível. Hoje sei que aquilo era esperado. Meu grande outro a sorrir, cospe em meu rosto essa verdade final.
Insisto em dizer que estou morto. Que acabou-se a essência estupenda que era tua presença em mim. Eu que sempre quis o que nunca ninguém queria, eu que invadi as salas daquela casa proibida. Sou o mesmo que se despede e cala. Confesso que morri. Já chega de tentar esconder. J.M.N
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