Chegou cantando ao fim da festa, certo de que ela lhe esperava dormindo, com o sono leve para que ele a despertasse e a casa toda se exasperasse e os vizinhos se incomodassem.
Mas não!
Ela não estava em seu lugar e no primeiro toque sentiu que a temperatura de seu lado da cama era nula e que o vazio se costruira havia muito tempo, embaixo de seu nariz, por entre as manhãs cheias de palavras ensolaradas.
Ficou uns minutos tentando entender seu estado. Esqueceu do alcóol e voltou a si. Percebeu que o quarto estava ofegante, como se aquele recinto estivesse espiando, dando seus últimos suspiros.
De pronto entendeu que o fim chegara e que todos os esforços de fazê-la compreender seriam em vão. Deitou-se mais por desespero do que por cansaço e finalmente viu o quarto morrer.
Tudo parou. Não havia ruídos, luzes fugitivas, traços de pertencimento em canto algum. Não havia penugens ou restos de amor. Não havia perfume, cabelos ou lençóis. As roupas íntimas de trás da cama. Não havia nada dela. Nada e si.
Pensou no pó mágico que pusera em sua água de beber quando conversaram pela primeira vez. E em todos os encantamentos que lhe assobiara antes de seu sono nas noites eternas em que estiveram juntos. Pensou que sempre havieria de querer cobrí-la e perguntar se o lençol deixara buracos por onde o frio pudesse entrar.
Neste exato momento, o braço dele fez o movimento automático de apoiar o travesseiro e como carregasse a cabeça adormecida dela, cuidou para que o gesto não fosse mais longo do que o necessário. Ele olhou o gesto como se seu corpo não fosse seu e involuntariamente deixou tudo acontecer ao seu lado. A ausência nasceu ali mesmo.
Levantou-se num susto e foi ao guarda-roupas. Suas roupas solitárias e quebradiças ali estavam, penduradas feito fantoches sem histórias para contar. Buscou um casaco para o frio inexplicável que crescia e ao espelho confessou o medo de morrer sozinho, esquecido, sem merecer o perdão dela.
O sol chegou e nem sequer avisou suas retinas. Ambas reclamaram da luz fortíssima. Ao fim do defloramento do dia, sua razão o havia deixado também. Escreveu um bilhete no papel do pão dormido, dizendo, queria apenas que soubesses que eu me importo, sinto muito! E deixou no balcão da cozinha para que fosse recolhido ou rasgado.
Saiu naquela manhã sem rumo certo, pensando que nada haveria de saldar-lhe a dívida. Toda entrega, todo instinto, toda dor de estar sem ela o invadiu. Saiu de casa na esperança de que alguém a viesse habitar e por uma trama do destino pudesse saber que naquele lugar o amor havia existido.
Ou quem sabe ela voltaria e ao ler o bilhete esquecido pudesse deixar seu último sentimento expresso, quem sabe um riso sem graça de dor, quem sabe um grito de ódio. J.M.N
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