Quando uma alma inventa de chamar aos outros de Roberto e divaga sobre o corpo em que eventualmente habita falando sempre na 3ª pessoa, criando uma atmosfera múltipla de múltiplos entendimentos sobre a vida de uma alma... de um corpo que jaz em coma... sobre como são fúteis as exigências do amor... enfim, sobre a vida inteira, tem-se, certamente, um bom livro.
O livro não é novo, foi publicado em 1995 pela Assírio e Alvim. Seu autor, já esteve por aqui. O português Miguel Esteves Cardoso é genial para falar de amor e outras maldades de nossas almas... Ou quem sabe falar da alma de nossas maldades, dando voz a um ser que mesmo sem peso algum, nos move a todos feito marionetes.
É elegante seu estilo, no melhor português lusitano moderno, o que por si só, já nos salienta uma áura de boa pronúncia de belas construções frasais. Por vezes arredias ao nosso coloquialismo brasileiro, mas nem por isso intangível. Com palavras exatas e aforismas inquietantes, Miguel nos dá a oportunidade de saborear a língua... Que também é nossa, mas que do lado de lá ainda soa intocada, apesar de não o ser.
Não há como não se encantar com assertivas tais como: As pessoas têm todas uma costela alfandegária - querem sempre saber o que trazemos dentro de nós. Põem o nariz entre a roupa suja, à procura de diamantes ou de droga, como se estivéssemos a esconder qualquer coisa. De preferência, espectacular. Como, por exemplo, a nossa razão de ser. (p.105)
A vida inteira já nasceu um clássico pop, já nasceu fácil de se apegar. Tem um caráter inato de doidivanas, mas não comporta só a loucura de uma alma indômita, incomodada com a paralisia de seu casco. Traz em suas linhas a possibilidade de uma escrita contemporânea com gosto de ancestralidade e transcendência.J.M.N
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