Havia qualquer coisa no desamparo dela que lhe acarretava uma severa displicência com sua moral, com sua austeridade e, enfim, com o seu próprio desamparo, resguardado de maneira tão talentosa por anos a fio.
Naquele dia, soube que haveria de se arrepender por essa sua fraqueza.
Ela chegou às dez. Ele já estava esperando com o jantar servido, duas taças de vinho e saudades. Jogaram-se no chão da sala, consumindo-se brutalmente. Os instintos exasperados. A poesia esquecida.
Machucaram-se.
Violentaram-se de maneira perversa. Respirando um ar intensamente poluído de idéias daninhas, de práticas malignas, de corpos deteriorados, muito usados pelo tempo e pela espera por amores nunca alcançados, sequer possíveis.
Dois outros buscando a si mesmos.
Sem saber por onde começar, começaram pelas partes fadadas a completar-se.
Como ele costumava frisar nas aventuras extremas a que se lançou, haveriam de exaurir todos os fluidos corpóreos antes da morte falsa daquele ato, antes de seus gritos de dor feliz, antes do silêncio exausto.
E assim foi. Noite adentro. Ruminando-se sem acabar com a vontade, sem ter a chance de dizer coisa qualquer. E desta forma, sem o peso das palavras, a entrega foi completa. Indistinta, sem identidades. Misturaram-se como líquidos complementares.
O dia veio e o peso dos corpos já desalmados devolveu à luz do dia um gosto ruim de incerteza. O jantar frio foi o café da manhã. O vinho, a água de despertar. O encontro inquieto dos olhares, a única conversa permitida, sem assunto específico, mas com a atenção voltada para dentro deles. Olhares que nem sequer sabiam de onde vinham ou o que procuravam. Aquele dia haveria de ser diferente, como todos os dias em que se acorda com um grande amor ao lado.J.M.N
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