Sea Serpents IV, Gustav Klimt
VICENÇA entretinha-se recolhendo as peças de seus tabuleiros de seduzir. Encheram-se de desutilidade quando seu eleito partira. Na prateleira mais alta quase não se via o perfume caro, presente de dois anos desse enlaçamento que ela nunca conseguiu nomear. No cesto de lixo ainda gritava vermelho o batom que ele tanto adorava. Devagar, como se seu dedo indicador pesasse mais que o corpo inteiro, foi deletando as mensagens que há anos guardava no celular. “Tô chegando”; “posso sim”; “to t esperando”; “Tb t amo”. Desejou com força apagar de sua memória olfativa o insistente cheiro domingueiro de mato recém cortado. Desejou apagar também essa impressão constante de que todas as lâmpadas da casa precisavam ser trocadas. Desejou apagar das velhas agendas esses cinco anos de sobressaltos e de visitas não anunciadas. O que Vicença queria de verdade era acabar com essa impressão de que ele retornará. Não, ele não volta mais. Dessa vez ele se despediu.
Um comentário:
Li como se fosse eu a Vicença...
Vc é muito profundo nos seus textos!!!
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