Esse dia chegou. Dia de não ser nada, não ter dor. Esse dia inteiro e portentoso de esquecimento, suavidade, essas coisas ganhas com a idade e também, com uma boa dose de sofrimento. Esse dia chegou. O dia de não ser importante, de sonhar que foi noutra vida o amor consumido e consumidor de todas as coisas: a razão, a memória, a alteridade. Esse dia é o dia de hoje. Astuto e célere como todos os dias de um trabalhador moderno. Acordar, alimentar-se de coisas geladas, andar com sono pelas glebas do nada e ver as pessoas já indo suadas nos primeiros raios de sol, ganhar a vida. Morrer e nascer nesse dia são trunfos dos acusados, dos predestinados a qualquer coisa das esquinas – os que se rasgam e ferem de tanto encostar ao destino. Coisa estranha ganhar esse tipo de autonomia. Essa cumplicidade celeste de saber que o destino é pura invenção. Mas não dói menos. Esse dia chegou na hora mais apropriada. Quando os ideais estão mais para conforto e prazer, que honra ou claque. Esse dia de ser desimportante para quem já se cativou e deteve. Infinitos dias de misericórdia. Mas cansei de sentir pena desta lembrança pequena e pouco afeita às forças da natureza. Da minha natureza. E se agora eu posso falar não sendo mais importante dentro de um sonho, talvez me queira dizer que o fim foi aquele mesmo. Não antes de o amor se acabar nele mesmo. Esse dia em que desperto e cuspo meus melodramas janela além, me nasce um poema. E começa como uma ode respeitosíssima e termina nas sujeiras de Sade. Esse dia de hoje é o primeiro do paraíso de se ter amado do avesso e estar vivo para contar como foi. Sem nenhuma outra pretensão, senão chamar os maus feitos de literatura barata. J.M.N.
Trilha sonora (a capela)…
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