Caro amigo,
Tudo dará certo. Não há com o que se preocupar. Ainda temos esses incríveis anos de juventude pela frente. Somos os legítimos herdeiros de Cronos, não os que lhe calaram a boca, nossos irmãos onipresentes, mas os que se salvaram da divindade a peso de letras, rosas e um bocado de dor.
Não peça nada a ninguém. Esses pedidos são indelicados, de todo. Ademais, ninguém está pronto para dar além do que pode como queres. Ou como queremos nós. Preciosos filhos de um poder ser par que arranha a vida com sua língua férrea e malina de poesia. Ora vinga, ora executa. Diante do medo, a maioria simplesmente fecha os olhos e come as unhas.
O que queremos é demais, tens de entender. Não pelo preço em si, pelo valor. É demais porque temos de pedir. Nunca esqueça que o que se ganha de presente pode ser tudo o que o outro tem para nos ofertar. E se a tudo temos, podemos estar com os monóculos da impiedade. Olhos vidrados na inconclusão do outro. Uma má ideia, afinal.
Dá de si, meu caro. Não pede. Dá até que a manhã seja o mesmo tempo do teu sono. A frente da nau imperial da solicitude te entrega, mostra tuas habilidades. Não pede perdão antes do tempo. Perdão indevido é a morte anunciada de qualquer amor. Perdoa-te a ti, primeiramente. Pelo quê? Ah meu caro, sempre temos o que perdoar em nós mesmos.
Não antes do fim do ano nos veremos. Sei que reconhecerás a semelhança do que te digo nestas linhas com o que te contei do meu último sonho de amor. Faço assim agora. Entrego. Minha entrega. Meu amor cuidadoso e o lascivo. Entrego a pele e o escoadouro da alma, meu olhar pasmado sempre pelo que sinto de novidade, na novidade da presença dela. Entrego os pontos. Vou a festas terríveis e até o que não sinto, entrego também, pois sei que ali fecunda.
O resto é o resto. Literatura. Livros estocados. Uma casa que não cheira a nada senão à presença dela e a onipresença dos amigos. Mais que isso não suporto. Mais que dar, ter de pedir, é um ofício do qual desisti sem remorsos.
Sinceramente,
J.Mattos
Um comentário:
Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz
humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos,ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a
dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada.
Galeano, 2011.
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