terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Dez Encontros (VII)



Meu Senhor,
         Uma recusa em te concluir nasce e cresce em mim, como as daninhas vidas que rastejam nos nossos confins. Cheguei até aqui com as provisões nas últimas. Cheguei maltrapilho, maltratado pela tua letra. Outro. Agora te miro sem reagir enquanto enfeixas meus medos, meus escuros de dentro, a dizeres de mim no umbigo das tuas mineirizes.
Arranchado nas noites de chuvas madrugosas, te adivinhava chegando carregado dos verdes dos buritizais. Eu que te procurava, sempre. Caçava esse jeito doce de saber que cada palavra é um ouriço, e que são as castanhas de dentro é que fazem as sustanças da gente. Bilé eu me encontrava, frouxo da razão, com juízo desatado, a mente desencostada da lógica – desse jeito eu cria que concederias tudo assim: de beijadas mãos. Me querias pactário; convertido e fanático àquela igrejinha que levantastes com a exatidão da tua mão de jagunço atirador: a mão que nunca forou o coração de um outro jagunço.  
É dificultoso achar as veredas nesse teu sertão. Até os carcarás lá de cima precisam apertar bem os olhinhos de rapina pra medirem a grandeza desses campos. Cheguei aí na tua terra dia desses. Vi Otacílias que se recusam à espera, mas de uma boniteza de roubar todo o ar da gente, e capazes de, só com um olhar lançado, plantar um Saara dentro da nossa boca. Confesso, meu senhor, que, por vontade própria minha, tornei-me teu refém. O meu cárcere são as paisagens dessa guerra alinhavada com bem-quereres e saudades entre jagunços, travessias, resistências contra as seduções do diabo e a procura do Deus que está em tudo, mesmo onde não há.
O meu sangue coalhou nesse desvendar-se nos teus vieses. Foi esse modo de querer fortemente algo que teima em não se dar que se instalou, em mim, como um sesto. Agora sei, dolorosamente, que percorrer tuas páginas é viagem sem volta, sem retrovisores, apenas o vento a alisar os cabelos e engambelar as bússolas. O sertão são as ruas, os prédios, os rios e os campos com castanheiras esturricadas a sustentar tempestades. A guerra é o amar e desamar, fiar e desfiar, abeirar e se jogar quando o medo por fim esbarra nas fustigações do desejo. Eu me lancei na tua maré, a água veio e fez um carinho no meu espinhaço. Encrespou todo o meu dentro. wdc


3 comentários:

Anônimo disse...

Sim, cada palavra é um ouriço..
cada linha, um estremecimento..
cada página uma vida toda a ser percorrida.
Belo texto Wagner!

Sara

Anônimo disse...

Lindo!

Anônimo disse...

O futuro é fortemente ligado ao presente. O presente guarda fortes e saudosas lembrancas. Tão forte quanto ...

As primeiras amizades,
Os primeiros brinquedos,
A primeira vez em um sítio,
A primeira casa,
O primeiro animal,
Enfim.

O presente mostra-se forte como a rocha e tão frágil quando, na solidão ;principalmente quando se perde na imensidão do passado. Passado presente. E presente futuro. Distintos, traiçoeiros... Presente nos caminhos sem voltas e futuro sem o passado...
O presente a ligar o passado, pelas saudosas e reprimidas lembranças. A boca cala-se. Por anos, até a coragem chegar. O medo de fechar os olhos, e o sonho voltar outra vez e fazer-se ouvida. Falas que não pedirão desculpas e sim as verdades. Verdades em fulga e o tempo a correr. Por quanto tempo. Um horizonte do tempo separa. E uma pergunta que não sabe-se a resposta.

A caminhar, a viver, sem buscar respostas, talvez por medo de por em risco o presente real em causa do passado oculto, vivido e entregue por totalidade.
Tal como as lembranças da nossa infância, em terras de Fernando Pessoa.