Meu Senhor,
Uma recusa em te concluir nasce e
cresce em mim, como as daninhas vidas que rastejam nos nossos confins. Cheguei
até aqui com as provisões nas últimas. Cheguei maltrapilho, maltratado pela tua
letra. Outro. Agora te miro sem reagir enquanto enfeixas meus medos, meus
escuros de dentro, a dizeres de mim no umbigo das tuas mineirizes.
Arranchado
nas noites de chuvas madrugosas, te adivinhava chegando carregado dos verdes
dos buritizais. Eu que te procurava, sempre. Caçava esse jeito doce de saber
que cada palavra é um ouriço, e que são as castanhas de dentro é que fazem as
sustanças da gente. Bilé eu me encontrava, frouxo da razão, com juízo desatado,
a mente desencostada da lógica – desse jeito eu cria que concederias tudo assim:
de beijadas mãos. Me querias pactário; convertido e fanático àquela igrejinha
que levantastes com a exatidão da tua mão de jagunço atirador: a mão que nunca
forou o coração de um outro jagunço.
É
dificultoso achar as veredas nesse teu sertão. Até os carcarás lá de cima precisam
apertar bem os olhinhos de rapina pra medirem a grandeza desses campos. Cheguei
aí na tua terra dia desses. Vi Otacílias que se recusam à espera, mas de uma
boniteza de roubar todo o ar da gente, e capazes de, só com um olhar lançado,
plantar um Saara dentro da nossa boca. Confesso, meu senhor, que, por vontade
própria minha, tornei-me teu refém. O meu cárcere são as paisagens dessa guerra
alinhavada com bem-quereres e saudades entre jagunços, travessias, resistências
contra as seduções do diabo e a procura do Deus que está em tudo, mesmo onde
não há.
O
meu sangue coalhou nesse desvendar-se nos teus vieses. Foi esse modo de querer
fortemente algo que teima em não se dar que se instalou, em mim, como um sesto.
Agora sei, dolorosamente, que percorrer tuas páginas é viagem sem volta, sem
retrovisores, apenas o vento a alisar os cabelos e engambelar as bússolas. O
sertão são as ruas, os prédios, os rios e os campos com castanheiras
esturricadas a sustentar tempestades. A guerra é o amar e desamar, fiar e
desfiar, abeirar e se jogar quando o medo por fim esbarra nas fustigações do
desejo. Eu me lancei na tua maré, a água veio e fez um carinho no meu espinhaço.
Encrespou todo o meu dentro. wdc
3 comentários:
Sim, cada palavra é um ouriço..
cada linha, um estremecimento..
cada página uma vida toda a ser percorrida.
Belo texto Wagner!
Sara
Lindo!
O futuro é fortemente ligado ao presente. O presente guarda fortes e saudosas lembrancas. Tão forte quanto ...
As primeiras amizades,
Os primeiros brinquedos,
A primeira vez em um sítio,
A primeira casa,
O primeiro animal,
Enfim.
O presente mostra-se forte como a rocha e tão frágil quando, na solidão ;principalmente quando se perde na imensidão do passado. Passado presente. E presente futuro. Distintos, traiçoeiros... Presente nos caminhos sem voltas e futuro sem o passado...
O presente a ligar o passado, pelas saudosas e reprimidas lembranças. A boca cala-se. Por anos, até a coragem chegar. O medo de fechar os olhos, e o sonho voltar outra vez e fazer-se ouvida. Falas que não pedirão desculpas e sim as verdades. Verdades em fulga e o tempo a correr. Por quanto tempo. Um horizonte do tempo separa. E uma pergunta que não sabe-se a resposta.
A caminhar, a viver, sem buscar respostas, talvez por medo de por em risco o presente real em causa do passado oculto, vivido e entregue por totalidade.
Tal como as lembranças da nossa infância, em terras de Fernando Pessoa.
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