Acabo de ler o livro do
jornalista Leonencio Nossa, “Mata! – O Major Curió e as Guerrilhas do Araguaia”,
editado por Companhia das Letras em 2012. Devo dizer: um livro necessário, bem
escrito e com detalhes interessantes sobre os ciclos econômicos do estado,
sobretudo, a partir da intervenção militar que culminaria com o extermínio dos
guerrilheiros do Araguaia, entre 1972 e 1975. Entretanto, em minha opinião, ainda
não é “O” livro sobre o terrível personagem que reinou no sul e sudeste do Pará
desde a época da ditadura até recentemente.
Mesmo com imensas qualidades como
descrições detalhadas das incríveis, e por vezes surreais, relações entre
personagens históricos de todo Brasil e muitas das pessoas que fizeram a
história recente do Pará, em especial na região de Curionópolis, El Dourado dos
Carajás, Marabá e Parauapebas, senti falta de demonstração e esclarecimento
mais firmes sobre os feitos de Sebastião Moura, o terrível Major Curió,
enquanto comandante das tropas que dizimaram guerrilheiros, torturaram
moradores, obrigaram pessoas a trabalhar como delatores e guias do exército,
além de ter comandado com a mesma intransigência espartana da caserna, o garimpo
de Serra Pelada, a criação de Curionópolis (uma das muitas excrescências do
Brasil contemporâneo) e os levantes que culminaram na criação do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra.
O trabalho de Leonencio, que
visitou diversas vezes o Pará, seguiu pelos rincões do Brasil muitas pistas
sobre a vida de Curió e ainda usa e cita referências de peso da historiografia paraense
como o livro Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos
Políticos na Província do Pará,
de Domingos Raiol, sem dúvida tem o mérito de escrutinar eventos de pouco
conhecimento dos paraenses, como a vida dos “formigas” em Serra Pelada, seu
sistema social e econômico, o trabalho escravo promovido por famílias tidas
como baluartes de nossa sociedade e que enriqueceram às custas da pobreza de
muitos imigrantes e colonos na exploração da castanha. No livro, essas figuras tornam-se,
muitas vezes, personagens secundários, mas servem de alerta para o fato de não
conhecermos nossa história e colocam em perspectiva a história de
enriquecimento da elite paraense, cujas origens históricas nada têm de nobre ou
lícito.
Mata! deve ser lido
e estudado e deve servir de base para outros trabalhos, quem sabe da próxima
vez, realizados por paraenses, pois isso também salta aos olhos... Assim como o
livro de Taís Moraes e Eumano Silva – Operação Araguaia, trata-se de obra de um
estrangeiro. Precisamos dedicar mais tempo à nossa própria história, senão, as
visões sobre o que é o Pará e a Amazônia serão sempre crônicas de quem passa e
não documentos e historiografia local. Faz-se necessário, por tal, relembrar
que as pessoas que podem contar e certificar os acontecimentos da Guerrilha do
Araguaia e das diversas insurgências que se seguiram na região do Bico do Papagaio
e outros lugares do Norte podem não estar entre nós dentro em breve e,
portanto, é urgente adensar os registros e pesquisas sobre o tema.
Por fim, mesmo sendo um bom trabalho,
o livro de Nossa registra que há muitos arquivos pessoais de Curió ainda não
conhecidos e que, como parte do mito, o próprio Curió se reserva o direito de
manter informações vitais que esclareceriam inclusive os casos averiguados pela
Comissão Nacional da Verdade, tratando-se, pois, de material essencial ao
trabalho de recuperação histórica e reparação às famílias dos desaparecidos não
havendo mais tempo ou desculpas para serem acessados e analisados com a
profundidade que merecem. J.M.N.
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