Um tranco tão conhecido aquele da cabeceira da ponte entre o
continente e a ilha onde nasceu. Retornava no seu carro que tem um banco macio,
mas não tão acolhedor quanto o colo do seu pai no dia em que deixou a ilha com
2 anos de idade.
Antes de sair da ponte já sentia os anos se desmultiplicando
dentro si. Ali naquele lugar havia quintais onde cresciam os camapus – quem realmente
se importava se os camapus ainda cresciam nos quintais se não ele? esse homem
que rebentava menino diante daquela esfera verde e sensual que se oferecia no
meio do matagal como uma pérola da infância.
As ruas vazias, nelas se esbarravam apenas as memórias. As
calçadas altas que foram seus segundos interditos. Não queria ter saído tão
pequeno. Queria ter sido mais filho daquela terra apadrinhada de Nossa Senhora
grávida de Jesus. Queria ter aprendido a beijar com os lábios untados de abiu
roubado. Seus amores, abençoados pela seiva dulcíssima, seriam todos candidatos
à eternidade.
Viu as ruínas da mercearia do tio onde um baleiro giratório
seduzia a si e aos irmãos. Sentiu no braço o aperto da mão pintada do avô a
segurá-lo num tempo onde mulheres se transmutavam em porcos e seres míticos
reivindicavam tabaco com assombrosos assobios. Aquela permanência forçada num
mundo de visagens e deuses desejantes, agora sabia, tinha sido decisiva pra
escolha do seu ofício. Ao lado, por uma janela matinal viu um gesto repetido a
séculos. Era a velha feitiçaria das mães que modulam a temperatura do café do
filho usando duas xícaras.
Eram encontros com sabores e cheiros tão íntimos, mas tão
íntimos que chegava a ser estranho. Era sua razão que se arredava. Eram as
palavras enrodilhando algo indizível. Eram retornos pra lugares de onde nunca
saiu. Era ele, tão inegociavelmente semelhante a si mesmo. wdc
3 comentários:
tão leve, deixando uma sensação de desalinhamento entre a idade que temos e a idade que se imagina na escrita. Como mudamos , mas ao mesmo tempo, como permanecemos sendo o mesmo.
Sara
Lindo meu irmão. Lindo mesmo.
Lindo!
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