Ela sumiu completamente. Nem memória ela deixou.
Isso que se escreve quase sozinho sobre ela e o que não ficou é como um reflexo.
Incontinência das palavras que buscam significar até o que não significa mais nada.
Choveu muito naquele dia.
Choveu a chuva de dez anos.
O nível do rio subiu. Cardumes ficaram afogados.
Todas as pegadas e relíquias pré-históricas se foram. Mas as palavras continuam.
Tomam forma. Têm sequência. Não pensam, não adoram, não lambem os dedos por causa da intensidade do gosto.
Aquela chuva foi tudo o que eu queria chorar quando ela se foi, mas não pude. Porque sou apenas um homem sozinho e a água que eu tenho no corpo ainda precisa me dar sustento, fazer a maciez da pele para ser a cama de alguém.
Só por isso não chorei uma tempestade.
O que me sai quando escrevo essas linhas não é mais do que minha prisão de palavras.
Meu escravo se curva.
Sou sempre preparado para o trabalho de escrever. Por isso, mesmo não chorando, deixo derramar esse monte de letras e palavras sobre o sumiço dela e sobre o que ela nem me deixou.
Talvez as coisas sejam assim.
Uns choram e logo sua dor passa.
Uns se matam e logo viram nuvens que chovem feito a debulha de toda a água do céu.
E têm aqueles a quem não basta chorar ou morrer, torcer-se ou vingar.
Aqueles que vertem letras e escolhem palavras para fazer bem feita a ação de esquecer. Mesmo que o processo deixe o preto no branco.
Mesmo que outras pessoas se caiam sobre as teias finíssimas que sustentam esses escritos.
As intensas simplicidades escritas a respeito de alguém que se foi e sobre aquilo que não foi deixado e que, mesmo assim, incomoda e causa espanto.
J.M.N.
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