Enquanto acordo e as coisas ao redor
ainda repousam e a pluma do quase dia flutua, nascem as melhores memórias. Vão
preenchendo os pequenos vazios. Alvorada acontece e o degelo da ansiedade
ocorre. Liquefaz-se a presunção de existir sempre demais, sempre ao extremo. O
que resta do gelo absorvido pela lentidão do despertar é esse fóssil
tristíssimo de forma indefinida, em cujas estrias e sulcos esta certificada a
saudade por tudo o que fomos. Uma espécie de dulcíssima bebida apodera-se dos
lábios. Volto a sentir os gostos, a tatear a pena, a ouvir quem suspira ainda
manso ao meu lado. As coisas tomam forma. E finalmente vejo o dia. É como um
grande espelho limpíssimo que me encima. Sou, do grego arcaico, ídolo. Reflexo
sem circunferência. Sou o que sou de manhã bem cedo. Parto para o dia cheio dos
sons internos. As melodias dos clássicos, as odes de Homero, ancestrais
reinando ensandecidos seus infernos e, claro, a paixão natural pelo que não é
definido, nem puro, nem pouco sofrido. A cadência das notas vai se formando. Ao
fundo o som do que vivo é algo entre indie e Rachmaninov, pouco sentido, muita
paixão. Fica de tudo esse rastro de bonomia e vinho tinto. As pernas morenas que
me procuram para proteção. Fica na carne a véspera do que não foi dito e
trêmula, a posição de nascer acontece entre linhas. De manhã, bem cedo, quando
todos dormem e ninguém se importou com meus erros no trânsito ou meus e-mails e
telefonemas, converso calmamente com minha história, que dança vestida de
vermelho, num alpendre perto do sonho, com as mãos na cintura, envolvente.
Sabendo a antiguidade, palavras e pouca vergonha do que viveu. J.M.N.
Um comentário:
Que coisa mais lindaaaaa!
RTDM
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