Finalmente a noite chega e quero dizer tudo de novo. Fazer
tudo de novo. Encontrá-la ao pé da escada de seu edifício, leva-la às compras,
encontrar coisas em comum nas nossas falas. Mas ela não está. Não há sinal de
que esteve. A não ser tudo o que me vem em golfadas de um lugar qualquer da
memória. E é como um velho disco arranhado que na melhor faixa, estanca as
vozes gravadas e repete infinitamente sílabas sem sentido. Pensar nisso me
causa ao mesmo tempo satisfação e incompletude. Escrevo sobre essas coisas. Com
a mesma tristeza das descobertas perto do fim. As pequenas mentiras, a negação
de carinho, seu estojo de maquiagem perdendo itens dia após dia. Era mais do
que a beleza indo embora. Era a ausência acontecendo e se encarregando de me
ensinar a ser só de uma vez por todas. Um espaço vago, sendo preenchido pelo
que não havia mais e meu sistema nervoso cumprindo a saga de criar memórias e
distorções sobre o que fomos. Solidão tornando-se solidão. Até que eu mesmo me
despedisse da saudade e não restasse mais nada. A não ser as palavras que vêm e
formam frases e as frases que juntas contam histórias e o sentido das histórias
que vem, mas se despede antes se cumprir. J.M.N.
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