segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
Olhando a página
Lembro a vez
que contrai aquele mal e estive certo que não veria mais a luz do dia. Estava
fincado numa página. Sem nada para falar. E teu nome surgiu como a única
palavra possível. Um romance inteiro em seis ou sete letras. Cada qual me dando
conta de um de teus personagens. Um nome composto. Referência a uma grande
tragédia escrita há mil anos. E eu lá. Com o tal nome no meio da folha em
branco. Muito limpa. Saída direto da embalagem. Eu estava enfermo. Com febres
altas de constância palustre. Iam e vinham como ondas de raiva e desejo. E tudo
em mim doía e se revoltava. As partes do meu corpo doíam: meu pescoço com o
peso de nós, o meu braço com a falta brutal que fazias, minhas pernas que
sempre voltavam ao teu apartamento independente de eu as mandar para de te seguir.
E doía a minha rotina, as vitrines nas quais eu via roupas que lembravam tua
leveza e elegância. Doía até o gesto do doador de esmolas num sinal de trânsito
que apazigua a própria caridade dando quase nada a quem nada tem. Éramos isso?
Quase nada entre quem nada tinha? E teu nome ainda luzindo na página em branco.
Usei a caneta de nanquim. A que mancha menos e é para sempre. E a luz do abajur
tocando a escrita e meus pensamentos. Um romance em um nome. Chamei alto para
que voltasses. Ou foi apenas teu nome se repetindo? Uma, duas, três vezes. Os
ecos não vieram. Nada retornou quando chamei e nesse momento percebi o
contraste brutal da pequena obra nascida da tentativa de poema. Uma página
muito branca refletindo a luz do abajur, protegida pelo meu corpo debruçado em
solidão escolhida e teu nome escrito em nanquim muito preto exigindo uma rima
que não havia, rima impossível. Luz e escuridão. E brinquei de afastar o papel
rapidamente de meus olhos, até que eu só visse um borrão. Depois de mais alguns
minutos levantei, fui até a parede oposta à mesa e olhei de novo a página com teu
nome. Cerrei os olhos e um ponto negro surgiu na infinidade branca do papel. Era
aquilo que temia e desejava ao mesmo tempo. Um ponto final. Um pequeno ponto
que sugou a luz ao redor. E esse ponto, feliz e infelizmente, era o teu nome visto de
muito longe. J.M.N.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário