Para Rita
Hoje acordei com a nudez perfumada dela. Zanzava pelo quarto
com seus pés de pluma. Chamou-me atenção aquele cheiro, aquela presença
silenciosa e intensa dentro e em torno de mim. Eu que tive a primeira noite de
sono completa desde muito tempo, acordei com a invasão daquele ser. Os móveis,
os lençóis, a nova cor de nossas paredes – tudo vivo e cintilante. Resposta ao
cinza que sempre tenho comigo. Ela ia e vinha por todos os lados. Fluida e acolhedora
como feita pelos deuses de sua ilha. Era mais que o corpo e o cheiro. Era como
se toda uma cidade estivesse sendo parida na minha manhã. Por dentro. Por todos
os cantos – espaço e tempo desprevenidos, recebendo-a inteiramente. De tão viva
e movimentada, com suas características infinitamente femininas e potentes. Revirou-me.
Minhas veias, meus sistemas, minhas memórias e requisitos. Tudo posto nela. A
seu serviço. Sem sono, desperto, com muitas coisas que fazer no dia de trabalho
e mesmo assim, cinco minutos eternos sentindo-a num calor de manhã recém-nascida,
cujo centro pulsante estava em meu peito, mas não me pertencia. Bombeava meu
sangue e me aquecia deixando vestígios intensos e famintos. A presença dela. Toda
sua anatomia e espírito dançando silentes em tarefas do despertar. Pentear o
cabelo, espalhar o creme dos pés à cabeça, pintar-se, estar perfeita e me
deixar esta ferida muito vermelha e funda que é amá-la. Sempre ela. A conclusão
desta breve eternidade celebrada: não me
tenho mais. Não preciso ter. Ela me acordou e elevou-me ao domo do mundo
como se seus movimentos e tiques fossem uma sinfonia de antigamente que só é
reproduzida por meu desejo. Só por estar ela me imensa. E eu sou dela sem nenhuma
razão. Apenas sou. J.M.N.
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