Para atravessar a tempestade precisava de um amor.
O amor veio.
Para saltar no ar sem nada que desse medo precisava de mãos e abraços conhecidos.
Eles saltaram junto comigo.
Para a tanta inspiração que enlouquece e divide precisava da leitura quieta, da tragédia profunda das páginas de algum livro.
Tenho mil livros enterrados em mim.
Para o leão que me espreitava na liberdade da ausência precisava de um rifle, precisão e mira.
O franco-atirador veio em meu socorro.
Para a conquista de um muito sentido precisava dos sinônimos, da morfologia dos novos impasses e das águas correntes do rio.
Ganhei o mar, outro horizonte, um continente e a bailarina.
Mas para cela no dorso da loucura precisava de couro e cordas e presilhas, mais um momento para aprender a parar.
Sem nenhum, soltei o animal no campo, mas acho que não andará até que eu resolva domá-lo.
J.M.N.
Um comentário:
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:
— Dói-te alguma coisa?
—Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:
— E o que fazes quando te assaltam essas dores?
— O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?
— É sonhar.
És o menino que escreve versos tal como no poema de Mia Couto. Obrigada por sonhar.
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