segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A partir de ontem

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Já publiquei e retirei este texto várias vezes do blog. Já o inseri em coletâneas, em outros trabalhos. Vejo agora que seu lugar pétreo é aqui mesmo. Retorno-o pela última vez. Ele nasceu em 2010.

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Agora não existe barulho em meu sono. Posso dormir sossegado. Não há reajuste de corpos e cobrança de dívidas antigas debaixo das cobertas noturnas. Posso correr no torpor de meu cansaço, sem obstáculos.

Não há razão para comemorar.

Sem celebrações fica difícil entender se as horas passam e mesmo quando vejo o avançar dos ponteiros tenho dúvidas.

Hoje não posso dizer vulgaridades, não posso cantar por ver a manhã acesa em paz, café na mesa, livro na mão e poemas. Não posso comer falando absurdos. Teus barulhos se extinguiram.

Hoje estou entregue à minha chatice, meus obséquios para comigo mesmo. Estou servindo de alvo para o destempero que são meus atos sem as lutas frenéticas de nossas carícias mais aterradoras.

Machuca não ter intenção nos gestos.

Não consigo justificar meus abraços e os entes amados ficam a deriva, envolvidos por braços injustificáveis.

Fica decretado em estatuto que a vaga de tua presença jamais será preenchida. Que mesmo não voltando - por impertinência ou impossibilidade - não haverá outro para me reconhecer olhando para mim de onde estiveste, e, aquela que fui, nos segundos de nossas mortes sucessivas - as sedes infinitas - estará finalmente no seu calabouço, não haverá de ver a luz do sol nunca mais e sem saber como se parece com o passar do tempo, poderá ser uma pedra ou a própria cor da tarde, uma opção para o infinito.

Nessa condição, a única possibilidade de indulto é encontrar caracóis perdidos, que estes são mais lentos que o esquecimento.

Esta porção de meu ser – sem o teu reconhecimento – escreverá, um dia, um romance sobre o acontecido e não haverá pessoa que não chore, não existirá dureza que não ceda diante daquela história.

E quando deixarem de se encher meus pulmões e tudo for um grande e último espirar de despedida, teu nome retornará à minha boca e ao dizê-lo num riso sussurro, ficarás para trás.

Resumida a um último segundo de vida, a menos de um decibel de fala, como quando dizias que jamais te perderias de mim e quase arrancando meus cabelos pedias para eu dizer que te pertencia. J.M.N.

3 comentários:

Anônimo disse...

Essa hora em que tudo entra em uma existência mais profunda e enigmática. E também mais temível, para os seres solitários que a essa hora permanecem calados e pensativos nos bancos das praças e parques de Buenos Aires.
Durante alguns instantes permaneceu rígido, com essa rigidez expectante e tensa,quando, na obscuridade do quarto, se crê ouvir um ranger suspeito. Pois muitas vezes havia sentido essa sensação na nuca, mas era algo apenas incômodo ou desagradável; já que(explicou) sempre havia se considerado feio e risível, e o incomodava a simples presunção de que alguém estivesse a estudá-lo ou pelo menos a observá-lo pelas costas; razão pela qual se sentava nos últimos bancos dos bondes e ônibus, ou entrava no cinema quando as luzes já se haviam apagado. Naquele momento,no entanto, sentiu algo diferente. Algo - vacilou como que buscando a palavra mais adequada - algo inquietante, algo similar a esse ranger suspeito que ouvimos, ou cremos ouvir, na profundidade da noite.Fez um esforço para manter os olhos sobre a estátua, mas em realidade não mais a via: seus olhos estavam voltados para dentro,como quando se pensa em coisas passadas e se tenta reconstruir escuras lembranças que exigem toda a concentração de nosso espírito."Alguém está tentando comunicar-se comigo", pensou agitadamente.A sensação de sentir-se observado agravou, como sempre, suas vergonhas: via-se feio, desproporcional, desajeitado. Mesmo os seus dezessete anos lhe pareciam grotescos."Mas não é assim", dir-lhe-ia dois anos depois a moça que neste momento estava às suas costas; um tempo enorme - pensava Bruno -, porque não se media por meses e nem mesmo por anos,senão, como é próprio dessa espécie de seres, por catástrofes espirituais e por dias de absoluta solidão e inenarrável tristeza; dias que se espicham e se deformam como tenebrosos fantasmas sobre as paredes do tempo.

Sábato. Sobre heróis e tumbas.

Anônimo disse...

E, quando sua esperança estava a ponto de esgotar-se, recordava as duas ou três frases chave do encontro: "Penso que não te deveria ver jamais. Mas vou te ver porque necessito de ti". E aquela outra: "Não te preocupes. Saberei sempre como te encontrar".

Sábato. Sobre heróis e tumbas.

Anônimo disse...

“Há de haver algum lugar. Um confuso casarão. Onde os sonhos serão reais e a vida não. Por ali reinaria meu bem, com seus risos, seus ais, sua tez. E uma cama onde à noite sonhasse comigo talvez”.
“Um lugar deve existir. Uma espécie de bazar. Onde os sonhos extraviados vão parar. Entre escadas que fogem dos pés. E relógios que rodam pra trás. Se eu
pudesse encontrar meu amor não voltava jamais...”
A Moça do Sonho
(Chico Buarque / Edu Lobo)