É para sempre esta distância. Declaro a morte daquele meu último sorriso. E mais: estou com dores de idade, não consigo comprar fiado um único fósforo para acender a última fogueira, estou cheio de sorrir aos outros e mostrar meus dentes sem dar uma boa mordida na felicidade alheia. Enfim, civilizado. De tudo o que ficou – mais medo e experiência que qualquer coisa – esta violentíssima vontade de gritar teu nome. Por nada mais senão memória e vício, costume ou sintoma. Mas não sai. É para sempre este silêncio. Teu nome preso no meu engasgo. Agora é esquecer a condição de antes, aquela completude exuberante, lábios, poemas e pernas entulhados por todo canto da casa. Em cada veia, em cada tipo de circulação, teus nutrientes atingindo minha pouca alegria de espécime. Escavo papéis e encontro a saudade doendo e latejando sobre tudo. A cada palavra que descobri, perdi mais da substância que me fazia teu. E porque falei de tudo quanto sentia pelas linhas desta mortalha dos ditos e dos contos de amor, agora não irás à minha estreia. Sequer poderei te oferecer um livro. É para sempre este cansaço de esperar o que nunca mais virá. J.M.N.
2 comentários:
O poeta extirpa as ervas daninhas que parasitam, paralisam.Fecunda. Oferece palavras. Anseio sua chegada.
ESBOÇO DE UM GUARDA-ROUPA
Parece penetrável porque tem uma porta. Ao abri-la, vê-se que adiou o penetrar: pois por dentro é também uma superfície de madeira, como uma porta fechada. Função: conservar no escuro os travestis. Natureza: a da inviolabilidade das coisas. Relação com pessoas: a gente se olha ao seu espelho sempre em luz inconveniente porque o guarda-roupa nunca está em lugar adequado: fica de pé onde couber, sempre descomunal, corcunda, tímido, sem saber como ser mais discreto. Guarda-roupa é enorme, intruso, triste, bondoso. Cerra-se, porém, a porta-espelho - e, ao movimento, na nova composição do quarto em sombra, entram frascos e frascos de vidro. (Rápida esperteza, contribuição ao quarto, indício de vida dupla, influência no mundo, eminência parda, o verdadeiro poder nos bastidores). CLARICE LISPECTOR, 1999,p.28-29.
Permanece o desejo de adentrar!
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