domingo, 26 de janeiro de 2014

Dez Encontros (III)

Espera um pouco. Quero aproveitar que abristes a porta pra te falar algo. Te contar da falta que fazes na mesa do café. Que perder o sono tornou-se insuportável sem a surpresa de te ver chegar devagar na sala com os olhos ainda intocados pela madrugada. O que quero te dizer é simplório. Talvez não seja mais que ficar em silêncio diante de ti a me espantar com as nossas semelhanças. Desculpe te dizer, mas quanto mais te diferencias mais te pareces. O teu quarto cerrado me faz lembrar aquelas gaiolas cobertas com um tecido branco e um passarinho dentro. Não ver esses passarinhos me deu sabedorias de adolescências.

Sei que dentro do teu confinamento enfrentas monstros e esperas um beijo que te conclua. Mas não que eu ouça. Não que teu irmão veja quando te brecha deitado no chão por essas horas de infinita solidão que é a infância. Ele te ama como se ama a própria vida. A saudade que sentimos de ti tem cheiro de penas caídas. A tua beleza me exaspera, tem vezes. Piora quando sei que as promessas de infância todas já perderam a validade.


Desculpe meus gestos e sentimentos irrefletidos. Volte pra sua oficina de voos e desassossegos. Aprendi contigo que vida é metáfora e metamorfose. Tenho aprendido a esperar, sabe. Qualquer dia te busco na escola e conversamos. Gosto da tua voz baixa, da tua timidez e desse jeito de estar no mundo sem querer ser notada. Só não me deixes à mercê da idade e da memória, e sem essa coisa que verdeja dentro de mim quando ouço o barulho da maçaneta do teu quarto. WDC

5 comentários:

Edna Moia disse...

Do mais profundo da minha alma te aviso: se querias que trazeres pra cá pelo ar de um suspiro, conseguistes. Belíssimo!

Anônimo disse...

Que lindo.

Rita

Telma Christiane disse...

Que lindeza, Wagner.

Wellyn Nascimento disse...

Que coisa mais linda.

Anônimo disse...

Lindo!