Não
dava crenças àquela solidão. Havia os peixinhos muito ocupados em existir.
Faziam-lhe uma líquida companhia. Ela dava-lhes comida todos os dias e água
novinha todo final de semana. A eles, aos peixinhos, sobrou todo zelo, preocupação
e as reconfortantes queixas cotidianas: cuidar ancorava sua vida a algo
delicado e definitivo. Pensar isso a fez sentir-se pertencida. Há 6 meses
perdeu seu homem numa dessas curvas demasiadamente abertas que a vida,
sorrateira, vai interpondo entre dois seres até transformá-los em breves
fantasmas do que foram. Baixou a cabeça e olhou pra frente daquele jeitinho que
ele adorava. O espelho se esforçava pra dizer a ela a verdade da forma mais
gentil. Notou os sulcos crescidos percorrendo os subúrbios dos seus olhos.
Foram dois anos de rega e escavação, eles tinham mesmo que crescer. Pensou
neles como quem se abandona ao tempo e compra um conforto. Já não se reconhecia
nessa parte de si nascida da barriga de um homem. Criara uma amizade com o presente.
Deixou os ventos avarandarem suas ideias. Restada naquele encontro consigo
mesma, não olhou pra trás nem pra certificar se a nova lingerie cumpria a promessa
de tornar o viço da juventude mais que uma doce lembrança. Aqueles pés de
galinha não caminhariam pra longe de seus olhos assim fácil. Pegou um de seus
cremes, enroscou o tampa e afundou o anelar na pasta branca. Sorriu e desenhou
um círculo em volta do pezinho do olho direito. Estava em paz. WDC
Um comentário:
Lindo!
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