domingo, 12 de agosto de 2012

Dos pais, um dia

Para o Cauê, meus Josés e o Leon

Meu filho tem quinze anos. Metade dos anos quais contava meu pai, quando nasci. A mesma idade em que eu descobri a ferida eterna de um beijo não acontecido. Disse-lhe algo sobre isso. Ele assentiu. Fez que sim com o dedo, meu menino. Hoje ele me chama pela palavra. Ancora-me sujeito. As três letras mais íntimas e divagantes do mundo. Ele me chama de seu para os amigos. Falando mal ou bem ele se instrui daquilo que pega nas minhas falas, nos meus erros. Ele se equipa do que eu sou para não ser repetindo as mesmas bobagens. Assim eu espero. Espero que de todo corte que lhe infligi, de toda ausência que eu tenha erigido e de toda resposta que não lhe tenha dado, ele passe por sobre. Faça suas pontes, descubra como cruzar lamaçais. Que eu tenha um dia a mais sobre este mundo. Mais um ano em sua admirável pergunta de sempre: quem tu és afinal? Que é a questão a interpelar minha inconstância. Recorrerei a mitos, a passados. Buscarei nas bocas que me pecaram as cotovias poéticas que resignam toda sorte de tragédia, pois suas asas batem ao por do sol. Escreverei, até que murchem os dedos e sangrem meus pulsos, os romances que inventaram quem sou, e soltaram mundo afora o personagem intranquilo que muitas vezes me cumpre. Quero que ele e mais ninguém sele meus olhos no dia final. Sopre em minha boca a palavra fim. Que seja a sua mão e de ninguém mais a me tirar os laços das garras para que eu toque a gente que talvez me espere do outro lado. Ele um dia me trará notícias. Farei como sempre fiz ante qualquer impacto. Um sorriso pequeno, essa glória nostálgica que é a constante vida que me executa, meu coração batendo a mando de um punk muito antigo. E direi resumido, como tem de ser: esta é a única coisa que te fará ser ainda melhor! J.M.N.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ao que espera
Ao que tangencia
Ao que execra
Ao que admira
Ao que deseja
Ao que ama todo dia, o dia todo.

Anônimo disse...

A função da arte/1

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!
GALEANO,2011,p.15.