Enquanto o corpo era enterrado, nenhum de nós chorou. Passivos vendo a casa desmoronar, olhamos fundo nos olhos de quem estava chorando. Nenhum de nós acompanhou.
A esperança morreu à entrada do inverno. Nenhum de nós ousou riscar no calendário aqueles dias. Deveriam ser lembrados pelos anos. A sorte e a alegria sumiram por dez semanas. Ninguém chorou suas ausências.
Na manhã em que o dia nasceu morrendo, chumbo de nuvens devastadoras, não olhamos para o céu. Comedidos e impávidos, certos de que o fardo era devido, cantamos. Cantamos o labor dos campos em que nossas mãos perdiam a feição de mãos e nossa pele entrava de vez na galeria dos piores tecidos celestes.
Ninguém chorou quando a pilha de anos confessou-se insuficiente para os pecados da gente. Não se usou lenços, enxugou-se pedaços de vida caídas líquidas sobre o rosto. Ninguém explicou que era preciso ceder vez por outra, agraciar-se com a vitória do desespero, com o suor da alma, que é o choro. Nenhum grito ou rugido.
Enquanto as memórias nos chegavam aos tufos, lufadas num frio muito estranho, agredindo a realidade de tão duras e desqualificadas que eram nenhum de nós chorou. E ainda assim, tínhamos a impressão de que havia alguma coisa que precisava sair e não nos deixaria quietos enquanto escrevêssemos romances, documentos históricos ou planos de guerra. J.M.N.
Para ler escutando...
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