sexta-feira, 5 de setembro de 2008

No turno da noite

Agora que o álcool é apenas água e a noite trepida entre a euforia do encontro amigo e o desespero de te ver passar sem dar conta de minha existência, apetece-me vir aqui e escrever as memórias daquele pequeno resto de vida. Uma hora incandescente onde todos os espectros de minha alma estiveram a serviço de minhas sinapses nervosas e estas, como costuma acontecer quando estamos prestes a nascer ou morrer, evocaram estampidos coloridos como os fogos de artifício de nossa primeira noite inteira juntos - os fogos do Círio.

E quando se imagina viver novamente e se tem a impressão de que tudo acaba antes mesmo de começar?

Violinos solando tristes nos palcos que nem frequentamos. Eu imaginando tuas novas proporções femininas e algumas de tuas novas manias antes do sono. Nossa caixa vermelha em teu guarda-roupas. Meus segredos nunca antes imaginados.

À beira do lago, encantei-me com as marrecas que chegam ao outro lado sujas de lama, como Lygia. Queria que chegasses até mim suja e maltrapilha para que eu te pudesse cuidar, como se viesses de um fundo qualquer.

Ainda tem espaço para poemas? Quem cantará a música que te levava tranquila para o outro lado dos dias mais difíceis?

Agora que tudo passou, posso me encontrar com quem habita minha face, sem vergonha ou medo do impossível. Agora que as melodias tomam conta de mim e Marílias e Betânias embalam esta noite de trabalho solitário, posso finalmente pousar meus olhos no silêncio de tuas lembranças. É nessa hora que conto ao meu fiel amigo como deixaria tudo novamente para escutar as tais palavras e encotrar-me preso nos teus artefatos de nada.

Nada há que não retome as nossas conversas na varanda. O cheiro do óleo disel, a fuligem do meio dia, as janelas a espreitar nossas aventuras noturnas. Está tudo aqui. Presente. Como em um filme recém lançado. E estamos eu e tu presentes. Na mesma varanda. Mãos dadas. A perguntar se podemos nos gostar mais, se podemos viver mais um para o outro. Como se não houvesse a realidade de nossa derrota, como se fosse possível nunca ter deixado aquele adeus.

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