O outro jogo não se ganha. A vida passa depressa demais. Apostas na mesa. E... fim, 22 vermelho sangue. Meu dia de nascimento foi quente como não sido em mais de uma década. Ninguém sai do útero impune. Fui logo reclamando da medida das cobertas, do muito branco daquele lugar, da intempestiva decisão de se colocar o meu nome em mim. Mas não colou, tudo ajustado à vida alheia. Eu começando virei assim pro camarada que me pegava no colo feito uma mortadela degelada: qual é a situação desse lado de cá heim? A resposta foi um grande e melancólico silêncio. Só entendi o que viria depois quando já era tarde demais. Custo a entender por que nascemos. Mais fácil é saber a razão da morte, vem no laudo, naquele papel que te determina o fim da existência legal, quando jamais se vai poder comprar um pedaço de terra. O que eu digo além dessas coisas é pra esquecer. Hoje eu sentei aqui e me aconteceu de estar disposto a escrever sobre esse dia. Esse dia de muitos invernos atrás, quando eu sentei no corpo que me conduziria vida afora. Caucasiano de mentira sentado nas obrigações de antes de existir no papel. Foi isso que eu escrevi: às duas horas da tarde a sede apertou e eu não tinha nada para beber. Sem graça, expressão sublime de não ter nada a dizer e depois apenas um conforto imediato e puríssimo, resultado de uma expressão muito antiga e de cálculo fácil. A foto dela decepou meu estado de espírito. Fiquei vago, vagando. Vazio coberto de anteontens. Um sujeito que explode quando escreve e quando ama faz um bocado de merda. Naquele silêncio que me foi oferecido nunca ninguém me explicou com um olhar sequer o que são as palavras esvoaçantes que nos esperam do outro lado da morte, nem mesmo o silêncio me pode convencer que está tudo certo e que amar é isso mesmo. Sentei para escrever um romance e me veio quente e úmido a lembrança do nascimento, das coisinhas inúteis que fiz até suspender meu próprio corpo e errar o primeiro caminho. E se tudo mais que fiz de errado me veio à mente, talvez eu esteja pronto para seguir no trabalho. Escrevo um livro que se chama assim: ninguém devia usar o corpo. Há uma esperança neste título – me tronar parte da estante de alguém. Esse é o triunfo do romance. J.M.N.
Um comentário:
Coma o mundo com sua cólera e sensibilidade. Passar incólume, nem pensar.
Diante da certeza da punição, desfrute a luxúria de estar vivo!
Bom dia!
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