terça-feira, 30 de março de 2010

Em torno de um mesmo estado de coisas

“Toda coerência é, no mínimo, suspeita.”

Nelson Rodrigues


Aparecia como fosse a única forma de uma madrugada urgente. Trazia um cheiro peculiar de pele molhada, sua presença. Era como uma virtude estar alegre ao seu lado, quase como um achado aquela sua destreza em me deixar feliz. Sempre tomando as sendas perdidas de minhas impossibilidades e se alastrando. E ampliando meus passos, minha respiração – tornando-me muitos. Sempre que vinha me encontrava um tanto pendente para um dos lados. Querendo atirar-me de abismos ou andando na corda bamba. Aquela flor perdida no estreito de seu braço, perfumando o abraço com odores magníficos, infestados de sua alma cadente – estrela perdida na noite eterna de seu interior. Ela vinha conquistando meu abandono. Vinha mais utilitária e visceral a cada abordagem. Eu sempre cedia. Sempre lhe economizava os sofrimentos e vivia perdido em sua rotina de kamikaze. Profundo admirador de sua loucura. Eterno adorador de sua anatomia. Ela não tinha chaves. Não tinha as combinações dos cofres. Ela não tinha o passe para as áreas mais restritas de minhas certezas e mesmo assim ela as ocupava. De maneira que apenas ela configurava minhas vontades e eliciava meu toque com tamanha força que meu coração parava. E entrava em si mesmo. Implodia toda vez que eu estava em seu corpo. E fora dela, pedia para voltar. Uma, oito, cem vezes. Sorvendo-me dentre a colheita aflitiva de seus prazeres. Exaurindo-me na morfologia e nos líquidos seminais reservados à multiplicação divina. E eu ia. Seguia seu desfecho bombástico. Cruel e raivoso como um cão faminto farejando a carne de alguém. Eu morria e ela me reinventava. Ela dormia e eu vigiava. Como contrários perfeitos, fomos um do outro. Eu ainda pertenço. Eu ainda destruo as letras inventando sintaxes ultra ferinas. E ela? O que lhe pertence que eu não encontro? O que sobra em seus dias que eu não escuto desde o último maio? J.M.N.

Para ler escutando...

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