Sei que a tua madrugada insone é dedicada aos teus anjos, por isso a tua presença arrasta um cheiro de asas doloridas. No entanto, aqui nessa epiderme desacostumada a afagos sutis, sinto a tua gratidão pelo bom dia, pela graça, pelo elogio. Agradeces silente num abraço breve e num sorriso de lado. Não és dada a gestos em excesso, mas tua presença ameniza o ambiente, como um jarro negro encerrando lírios recém colhidos. Teus passos têm endereço, sempre. Jamais vou te ver vagando, uma pena. Queria te encontrar sem destino por aí. Perguntar a tua pele sobre a alegria dos negros nas madrugadas da fazenda de meu bisavô. Perguntar sobre os meus santos protetores, sobre os meus atabaques, sobre quem fechou meu corpo para determinados prazeres, como a dança. Qualquer dia almoçamos novamente, e da janela vamos ver o mundo em chamas, viventes transitando por calçadas solitárias, reparadores tristes, namorados ardentes. Então brincaremos que somos amantes, marido e mulher, sócios num grande negócio, completos desconhecidos que sentaram na única mesa vaga de um restaurante lotado. A cada pessoa contaremos uma história diferente. Viveremos intensamente essas biografias inventadas, quem sabe assim apressamos o tempo, e nos tornamos parte da existência um do outro. WDC
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Jarro com lírios
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3 comentários:
Viveremos intensamente essas biografias inventadas, quem sabe assim apressamos o tempo, e nos tornamos parte da existência um do outro.
Meu irmão, essa sentença (literalmente!) é lindíssima. Somos, de fato, uns sequelados. Ainda bem!
Saudade,
J.Mattos
Por onde andam aqueles que nos esquecem? Estão certos de que podem prescindir de tais abraços que agora envidam seus esforços a ferir-nos de morte inteira?
Onde estão os anjos de nossas biografias? Perdidos em castelos ou paços? Em desertos ou prais de sal e ventos debulhantes?
E onde estamos nós nesses possíveis entremeios? Pulsando estranhos nos braços de lírios ou fazendo noites como ciganos?
J.Mattos
Irmãozinho, talvez não nos baste ser esquecidos ou lembrados num regaço distante. O pequeno vale que nossas cabeças deixaram em travesseiros graves ainda está, certeza. Por ora, ficamo-nos com a falta que fazemos um ao outro. Esta sim, impreenchível senão por nós mesmos.WDC
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