Para CM com amor e imensidão
Finalmente te deixei ir. Peço desculpas pela demora. As coisas não estavam bem definidas. E eu ainda insistia na distância dos fugitivos. Ouvir palavras finais ajuda, mas foi apenas com o frio da lágrima caída, no momento mesmo da confirmação da tua eternidade, que eu desci das minhas estranhezas e alegorias para cair em um último adeus. Houve abraços e o atestado de falta assinado pela vida. E o que mais doeu foi a certeza de que ainda serão muitos os dias sem a tua presença tão necessária. Da mesma maneira que me ensinaste, o peso da aceitação é de densidade astrofísica. Imensurável. A tua ausência se concretizou na paz celeste que ainda não é nossa, no rosto dele que se chora todo por sentar sozinho e almoçar em silêncio. A tua ausência se serviu voraz do meu desamparo, do meu medo das próximas idades, dos cheiros que se vão perdendo. Mas, sobretudo, a tua ausência que finalmente experimentei ontem, jogou sem cuidado, os dados dos próximos capítulos. Mostrou-me sem pudor, as cabeças que me pensaram, branqueando a olho nu. A expressão de adeus de tantas lembranças. A mulher sozinha sentada sobre si mesma, que sem saber como transmitir sua alegria, disparou: não gosto de ti tão grande. Para ela deixei o apenso do meu cuidado, a palavra gentil e um beijo. Uma conta brilhante na capa do livro de orações. A vela falsa de ler vazios. Tudo isso se apoderou de mim, forte e cortante, por uns instantes. E foi apenas pela manhã, depois que finalmente tua eternidade se confirmou também em sonho, que me sumiu a dor nos ossos de dias a fio. Percebi surpreso - não era dor. Não era sequer minha culpa inquieta. Era a fratura número três na minha existência. Encomendada por sei lá qual força universal. Eram minhas mãos e meus sentidos dizendo a mim, nunca mais terei o teu abraço. Acordei feliz, uma forma de fingir inteireza que quase namora com a vulgaridade. Ao fim e ao cabo, é a última infância das minhas paixões se apagando. Vou apenas seguir fingindo que posso com isso também. JMN.