Ao me esquecer sairá dos teus registros nossas aventuras em
África, água boa das fontes de Santo Antônio, um lugar qualquer onde paramos
para espertar a tarde e tirar o pó da estrada de dentro das esperanças. Usamos.
Ousados. Como fossem os medievais coquetéis para fingir entidades e tocar Deus
com os neurônios tesos e a boca ressecada. Um luxo que aprendemos em Malta. Quando
saíres de mim ficará o mar de Figueira em meus olhos empapando a dor do lugar
que ocupavas e agora só fica sendo uma de minhas metades. Oco com nome e sobrenome.
As iniciais cravadas em bronze. E o que me resta é olhar as letras perdendo o
brilho como as de uma sepultura doada ao tempo. Onde morremos é o lugar em fica
o último beijo. Morri na tua boca silenciosa mil anos atrás. Ao menos deixei
tuas sandálias a vista antes de sair pelo mundo. Ao me evocar quem sabe no ódio
profundo que me dizes sentir, serei a lança ou a espada aguda que rompe músculos
e cartilagens. Nunca mais o perdão sequer. Nunca mais algo mais entre nós.
Perdemos as cartas, as roupas, os guinéus feitos à mão. Quando quiseres me amaldiçoar
sei que ninguém se salvará da tua fúria. E dos cânones de tua ira sairão as
palavras vida e eternidade para unidas significarem o que não fomos, o que não
fui, aquilo que sinceramente esperavas nunca ter pretendido alcançar. Serei
tudo o que não importa mais saberes. Serei a minha química desordenada. Serei o
último a sair da livraria. Serei aquele que sempre se esquece dos dias de
finados. Uma pedra. Um pássaro de canto triste. Serei o mais culpado dos
culpados quando te esqueceres de mim. E quando eu voltar àquela praia gelada
num mês de dezembro qualquer, abraçado ou sozinho estarei sempre lamentando uma
única coisa – ter consumido sozinho o que era para ser de nós dois. J.M.N.
Para ler escutando...