quarta-feira, 28 de maio de 2008

Das Tempestades

Queria presentear-te com um punhado de sinceras tristezas. Mostrar com isso que talvez ainda funcionemos dentro de uma gramática comum. Desculpe, mas o poeta ultra-romântico nunca esteve entre os meus disfarces mais convincentes. Tenho uma febre muito antiga e que nunca me levou ao auto-flagelo. Esses meus calores de dentro são a sentença de quem sempre andou entre a sensatez e o surto. Fui agraciado com a palavra torta, e não com a paralisia e a lágrima. Por isso a distância se interpôs daninha, cerzindo silêncios em quartos de hotel e em rodoviárias remotas. Pedias que eu não viajasse tanto. Eu queria o mundo e a possibilidade de me colocar nele.

Hoje te escrevo do lugar de um fracassado. Do viajante convulso e maníaco. Daquele que não sabe o que é bom e se deixa levar por pulsões nebulosas, passageiras, mal tracejadas. O eterno enjeitado, mas que se enjeitou a si mesmo por não suportar a maçante felicidade dos ordinários. Nem as curvas das tuas pernas flexionadas pra receber a minha cabeça insone, nem a promessa de que a passagem do tempo traria a cura pros meus desassossegos, nada me fez acreditar que a permanência seria a melhor opção, que jantar na mesa traz parcimônia e que tomar banho todos os dias é sinal de uma civilidade conquistada. Não. Quero teu colo pra servir como partida, como o lugar onde tudo começa e onde findam, mesmo que momentaneamente, essas minhas tempestades.

domingo, 25 de maio de 2008

Não cometa a gafe de morrer sem escutar 6

Para alguns este disco marca o início do que Carlos Lyra define como o surto cultural da Bossa Nova, mas como ele próprio fez questão de frisar algures - Não! Canção do Amor Demais apenas anuncia o que viria a seguir e começaria a nos apresentar Vinícius de Moraes e Tom Jobim em toda sua magestade.

... por isso meu amor/ não tenha medo de sofrer/ pois todos os caminhos/ me encaminham a você, canta Elizete, e com sua voz doce e forte mostra a entrega farta da cantora aos poemas de Vinícios e às melodias riquíssimas de Tom.

Canção do Amor Demais é de 1958, momento único de nossa música popular brasileira. Um tempo em que estava tudo se redefinindo, tomando contornos mundiais e onde muitas parcerias surgiram e se tornaram lendas do cenário musical brasileiro.

Como participante especialíssimo do disco, encontramos João Gilberto e como não dizer que este disco em especial era um sinal de que tudo mudaria? João deixaria de ser o músico convidado e passaria à ícone musical, Tom e Vinícius? Nem se fala.

O canto forte das cantoras de rádio, a postura erudita de Lúcio Alves logo seriam substituídas pela suavidade do canto de João, pela simplicidade boêmia das letras de jovens talentosos e pela batida inovadora, mas enraizada em referências como o jazz, Debussy e sambas antigos.

Canção do amor demais também é um dos marcos primorosos daquele período musical que tanto dá saudade... E como dá. J.M.N

A lista:

01- Chega de saudade - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
02- Serenata do adeus - (Vinícius de Moraes)
03- As praias desertas - (Tom Jobim)
04- Caminho de pedra - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
05- Luciana - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
06- Janelas abertas - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
07- Eu não existo sem você - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
08- Outra vez - (Tom Jobim)
09- Medo de amar - (Vinícius de Moraes)
10- Estrada branca - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
11- Vida bela - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
12- Modinha - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
13- Canção do amor demais - (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

O que me és

Sinto tua falta. Apenas isso. Sem angústia, sem sofrimento, sem contar de horas. Sinto tua falta pura e simplesmente. Há que dizer que és necessária. É preciso que entendas que não o digo da boca para fora, como quando pedimos uma rosa para reconciliarmo-nos com alguém pela enésima vez. Sinto falta de tudo em ti. Dos teus cabelos. Dos mil trezentos e quarenta e dois sorrisos que és capaz de produzir numa fração de segundos. Sinto falta de teus braços esticados a esperar por mim. E mais que tudo, sinto falta dos teus olhos. De tuas piscinas para nadar, para me perder sem medo olhando o céu ensolarado de agosto. Sinto falta do teu impagável senso de humor e da forma como mastigas as palavras e defines a ode dos teus pertencimentos de maneira tão viva e loqüaz. És para mim como a Gradiva de Jansen, como Lisístrata a impedir guerras com a suspensão das fomes de amor, como Antígona a me conduzir cego para além dos portões de Tebas, para nunca mais voltar. Queria apenas que soubesses. Queria apenas que sentisses o cheiro dessas coisas simples e divinas que surgem todas as vezes que eu penso em ti. És como uma tela. Minha janela para o mundo. És de tudo um pouco. Minhas entranhas, minha pele, minhas cicatrizes. És mais que orgânica, intangível, ectoplásmica; mimese de minhas tantas outras existências. És o que sou e por isso te agradeço, pois tornas essa impostura presente mais suportável e por muitas vezes, faz-me crer que o que tenho por dentro é plausível, desejável e razoavelmente humano. J.M.N

Templo

                                                   Templo de Debod - Madri por JMN

Há lugares para nascer e morrer. Há lugares para viver um grande amor. Há lugares que escondem segredos e outros que os revelam. Há cores que só servem quando te vejo. Há doenças que só curam quando passas. Há músicas escolhidas para o bem e outras tantas para acalentar sonhos e esquecimentos. Há cristais que estilhaçam com o ruído do vento e outros que guardam melhor os melhores vinhos. Há mordaças demais em minha alma e a certeza de que estive preso em algum lugar do caminho. Há chão para os meus passos e histórias de antanho para minhas retinas. Há visões e estranhamentos. Ela chegando com café e pão, dizendo que minha tarde estava no fim, que era hora do banho. Há cuidados que nunca dissipam e toques e amores e despudores insanos. Há gente demais escrevendo essas linhas. Na escuridão do lago há uma imagem muito antiga e o sol teimando em definí-la sozinho. Não fosse eu olhando para os lados, para cima, para baixo, estaria aquela imagem confinada. Há cidades que me habitam, ruas que me percorrem. Há mais de mim pelos caminhos que nem sei se posso voltar. Há maldade e um certo charme nos beijos de ontem. Há minhas mãos na tua linha da cintura. Meus troféus são telas e riscos em tinta antiga. Meu coração é como um alvo para treino. Queria dizer que não há mais nada. Que outrora as manhãs eram malditas, mas não posso, pois meu diário denuncia. Estás em minhas páginas. Guardada sem nome e apareces por insistência da luz momentânea do folhear daquelas páginas. Há nome para isso. Há silêncios demais na minha euforia. Um dia saberás a que renuncio e entenderás mais ainda por que fugi. J.M.N

Depois do frio da tarde

Ontem quando vieste senti um frio estranho. Era de tarde. O sol marcava a parede dos prédios em redor obstinadamente e não havia lugar para o frio. Mesmo assim estava frio. Minhas falanges rangiam, minha pele aceitaria um chocolate quente e o olfato passou a compreender a temperatura de maneira esquisita, misturando o bom cehiro dos jasmins com a morte congelada dos frigoríficos.

Quando falaste havia prudência, dor, aniquilamento. Não só a vontade estava estampada no teu rosto tão conhecido. Havia coisas do avesso: desalegria, despaixão, desavisamento. Criei tudo isso agora para explicar o que receio não poder suportar. Quando sentaste e teu corpo fez uma marca rasa no sofá. Estavas tão leve. Senti meus ossos se contraírem, meus medos todos atualizarem seus esforços de destruição. E, no entanto, não disseste nada bruto, nada daninho. Senti mesmo que me amavas.

Foste embora. Dormi isento de sonhos. Das lembranças de minhas difculdades tão conhecidas. Dormi achando que seria bom nunca mais acordar. Mas talvez os planos sejam outros. Escutei com cautela o que escreveste e declamaste com a voz tão doída e extensa. Engoli tuas palavras como analgésicos. Minutos depois sentia-me feliz. Não pelas palavras ou por tua ida, mas pelas certezas que encontrei no que me disseste.

Mesmo nas tuas dúvidas és mais precisa que eu. Consolo-me tão somente pelo fato de que aquele que não sabe perguntar é por não saber sobre o assunto a inquirir. Queria te perguntar coisas minhas, coisas sobre o amor, sobre aquele dia em que disseste que eu era tão teatral e com isso me desvendaste num único instante. Mas a única coisa que me ocorreu foi este escrito.

Sentei à sacada com uma resma de papel em branco a tentar descortinar meu verbo e ir atrás das coisas que não saíram, que não nasceram, por assim dizer. Traí-me tanto. De tantas formas e com tantas coisas inacabadas. Atirei meus rascunhos pela varanda e quando consegui escrever o que queria, senti que também aquele não era o lugar dos meus ditos. Lancei a última folha pela sacada e esta ainda teve tempo de encontrar com os rascunhos recém lançados.

Havia fábulas e canções premiadas. Havia terços e rezas budistas. Crenças, mistérios, literatura. Havia a história inacabada do meu fim, do meu começo. Minha infância, meu abandono. Havia as mortes de quem mais amei. Estava tudo lá, escrito com mãos trêmulas e tintas gastas. Quanto mais coração, mais cicatrizes. Coloquei a vida toda naquela resma.

Minhas folhas e minhas palavras ficaram um bom tempo no ar, fazendo evoluções e explodindo no chão, como se fosse uma chuva branca. As pessoas olhavam para aquilo provavelmente vociferando contra minha falta de cuidado, meu desatino. Olhei-os com meus olhos admirados e torci para que alguém lesse as palavras ou se, caso fossem deixadas jazendo no asfalto, não fossem muito longe de mim.

O que eu dizia naquela última página?

Não muito, mas talvez tenha te pedido para ficar. J.M.N

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Sun Kil Moon - April (2008)

picture  

Na verdade, esse post é sobre a figura mais que intrigante do cantor e compositor norte-americano Mark Kozelek. Nascido aos 24 de Janeiro de 1967, Mark aos dez anos já era dependente químico. Um tratamento bem sucedido parece ter posto no lugar da escravidão às drogas, a escravidão à música. Mark compõe e grava compulsivamente. Projetos solo, bandas. A mais famosa é o Red House Painters. Atualmente o veículo de suas inquietudes responde pelo nome de Sun Kil Moon.

Faço um pequeno parêntese para a discografia das suas duas bandas (que na verdade são praticamente projetos solo) e dos discos gravados com seu próprio nome:

Solo:

As Sun Kil Moon (2002-present):

As Red House Painters (1989-1998):

 

Reparem que em alguns anos existem 2 ou mais lançamentos. Esse ano já tem um disco solo, Nights LP, e este maravilhoso April sob o nome Sun Kil Moon. Nele, Mark canta suas angústias e sua solidão com a voz frágil e rascante de sempre e ainda consegue manter sob controle seus ímpetos de guitar hero que tanto fizeram algumas músicas do Red House Painters parecerem, pelo menos pra mim, belos exercícios de egocentrismo. O que restaram foram músicas tristíssimas embaladas em finas camadas de violões e, amiúde, bateria.

A trajetória de Mark Koselek assim segue em espirais pelo ar. Desfazendo-se em fumaça e reaparecendo a cada momento de tristeza que nos assalte. Uma entrega sem par e uma dedicação religiosa de quem teve a vida salva. Sua música é redenção, dele e nossa.

domingo, 18 de maio de 2008

Não cometa a gafe de morrer sem escutar 5

Por favor!

Chega de Saudade de João Gilberto é história musical contemporânea báscia. E sua música título, trilha sonora marcante dos tempos dourados da MPB.

Mesmo que você nunca tenha ouvido falar de Bossa Nova (e isso já seria preocupante), deve ter ouvido falar de João Gilberto, ou vice-versa. Aquele músico perfeccionista e com a voz baixa que treina doze horas por dia quando vai executar um tema novo, ou que sai do palco porque um relógio digital tocou na platéia etc, etc.

Conhecido (e ainda se discute a respeito) como o pai da Bossa, João Gilberto gravou este clássico em 1959 e contou com ninguém menos que Antônio Carlos Jobim como seu arranjador, para além de Copinha na flauta, Juca Guarany na bateria e o grande Rubens Bassini na percussão.

Chega de saudade revolucionou a música mundial com sua mistura de jazz e violão popular (mas não somente) e a voz suave com letras mastigadas à perfeição por João Gilberto e escritas com maestria por Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, e até Dorival Caymmi.

Além disso, a Bossa Nova catapultou a música popular Brasileira para as paradas do mundo inteiro, mobilizando grandes nomes do mainstream internacional como Frank Sinatra. Algumas revistas de música cultuadas ainda atribuem à Bossa Nova, o lugar de principal gênero musical lançado no século passado e um dos que maior público alcançou quando de seu lançamento.

Vale ficar na torcida para que nossos talentosos, mas agora menos presentes na mídia, músicos brasileiros, resgatem a história musical do Brasil ou inventem coisa melhor do que está ofertado por ai. J.M.N

Fica assim:

1. Chega de Saudade (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
2. Lobo Bobo (Carlos Lyra / Ronaldo Bôscoli)
3. Brigas Nunca Mais (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
4. Hô-bá-lá-lá (João Gilberto)
5. Saudade Fez Um Samba (Carlos Lyra / Ronaldo Bôscoli)
6. Maria Ninguém (Carlos Lyra)
7. Desafinado (Tom Jobim / Newton Mendonça)
8. Rosa Morena (Dorival Caymmi)
9. Morena Boca de Ouro (Ary Barroso)
10. Bim Bom (João Gilberto)
11. Aos Pés da Cruz (Marino Pinto / Zé da Zilda)
12. É Luxo Só (Ary Barroso / Luis Peixoto)

Palavras querem dizer

                                                             Para o Antônio Maria

Hoje quando digo, quero dizer. Quero inundar os ouvidos e arrumar nortes para os meus vendavais. Soprar, zunir, estourar. Algumas vezes as palavras derramam-se em melodias, operetas geniais, cantorias. Noutras horas atuam como estilhaços e partem rumo a seus destinos dentro de mim, inscrevendo histórias como se fossem abraços secretos. Encômio à loucura.

O acalentar de um amigo, o rosto amado, a desistência ou a culpa ancestral ensejam palavras. Algumas vezes são leopardos, outras vezes rastejam como doninhas, escavando orações e significados. Tua nuca exposta ao amanhecer, minhas mãos espalmadas em tua alma, o som dos mortos, medula doente, todas estas fontes secretam palavras.

Escrevo desde ontem um belo poema e de tanto espremer seu conteúdo apenas o cheiro do amor imbricado ficou. Palavras têm cheiro. Palavras odeiam ficar sozinhas e quando acontece, rebelam-se contra sua condição criando sentidos mortíferos, sinônimos vicerais, insubordinação. Solidão, escuro, enfarto, dor, luta e amor.

Palavras não são modestas, tem mil casas e terras. Hoje acordei com tua falta estampada. Ancorada na flutuante plataforma do esquecimento. Andei com ardor. Sentei sem votade. Chorei diatribes. Não importa. O que não veio, o que não dei conta foi daquela palavra finita, menor que amar. Chamo-a de fim. De silêncio. De morte. Quem sabe aprendo a chamá-la de ausência ou, por fim, ela me dirá que se chama saudade. J.M.N

sábado, 17 de maio de 2008

Sobre as esperanças

Chegou cantando ao fim da festa, certo de que ela lhe esperava dormindo, com o sono leve para que ele a despertasse e a casa toda se exasperasse e os vizinhos se incomodassem.

Mas não!

Ela não estava em seu lugar e no primeiro toque sentiu que a temperatura de seu lado da cama era nula e que o vazio se costruira havia muito tempo, embaixo de seu nariz, por entre as manhãs cheias de palavras ensolaradas.

Ficou uns minutos tentando entender seu estado. Esqueceu do alcóol e voltou a si. Percebeu que o quarto estava ofegante, como se aquele recinto estivesse espiando, dando seus últimos suspiros.

De pronto entendeu que o fim chegara e que todos os esforços de fazê-la compreender seriam em vão. Deitou-se mais por desespero do que por cansaço e finalmente viu o quarto morrer.

Tudo parou. Não havia ruídos, luzes fugitivas, traços de pertencimento em canto algum. Não havia penugens ou restos de amor. Não havia perfume, cabelos ou lençóis. As roupas íntimas de trás da cama. Não havia nada dela. Nada e si.

Pensou no pó mágico que pusera em sua água de beber quando conversaram pela primeira vez. E em todos os encantamentos que lhe assobiara antes de seu sono nas noites eternas em que estiveram juntos. Pensou que sempre havieria de querer cobrí-la e perguntar se o lençol deixara buracos por onde o frio pudesse entrar.

Neste exato momento, o braço dele fez o movimento automático de apoiar o travesseiro e como carregasse a cabeça adormecida dela, cuidou para que o gesto não fosse mais longo do que o necessário. Ele olhou o gesto como se seu corpo não fosse seu e involuntariamente deixou tudo acontecer ao seu lado. A ausência nasceu ali mesmo.

Levantou-se num susto e foi ao guarda-roupas. Suas roupas solitárias e quebradiças ali estavam, penduradas feito fantoches sem histórias para contar. Buscou um casaco para o frio inexplicável que crescia e ao espelho confessou o medo de morrer sozinho, esquecido, sem merecer o perdão dela.

O sol chegou e nem sequer avisou suas retinas. Ambas reclamaram da luz fortíssima. Ao fim do defloramento do dia, sua razão o havia deixado também. Escreveu um bilhete no papel do pão dormido, dizendo, queria apenas que soubesses que eu me importo, sinto muito! E deixou no balcão da cozinha para que fosse recolhido ou rasgado.

Saiu naquela manhã sem rumo certo, pensando que nada haveria de saldar-lhe a dívida. Toda entrega, todo instinto, toda dor de estar sem ela o invadiu. Saiu de casa na esperança de que alguém a viesse habitar e por uma trama do destino pudesse saber que naquele lugar o amor havia existido.

Ou quem sabe ela voltaria e ao ler o bilhete esquecido pudesse deixar seu último sentimento expresso, quem sabe um riso sem graça de dor, quem sabe um grito de ódio. J.M.N

terça-feira, 13 de maio de 2008

Hymns for a Dark Horse - The Bowerbirds

Tenho me sentido um privilegiado em relação a descobertas musicais. Meu dileto amigo W.C.Caldeira, poster neste mesmo espaço, tem me proporcionado contatos imediatos em todos os graus com bandas de nomes estranhos, músicos que não aparecem nos encartes, pop francês e até símios com mania de grandeza... mas esta é uma outra história!

O fato que The Bowerbirds está entre os melhores exemplares da safra recente do rock independente, sobre o qual tenho aprendido a mudar de opinião e a reanimar uma boa parcela do respeito adormecido.

Como preferimos aqui no Palavras sentimentos a estudos sobre acordes e arranjos, permito-me sugerir aos leitores que busquem escutar a música I our talons num daqueles dias em que nada parece dar certo, em que ouvimos as piores notícias dos lábios amados ou simplesmente esperamos à janela que a chuva dissipe para podermos seguir a rotina.

Se você gosta de folk, acordeão, viola e onomatopeias bem colocadas, certamente vai gostar do Bowerbirds, especialmente se tem apreço pela simplicidade, pela despretenção e por vídeos hand maked onde os caras vão andando e cantando sua música em uma floresta, por uma ferrovia, naquelas cenas que você assiste e tem certeza de que já viu num final de filme qualquer, mas adora ver de novo. J.M.N

Siga o rastro dos passarinhos:

· Hooves
· In Our Talons 
· Human Hands
· Dark Horse
· Bur Oak
· My Oldest Memory
· The Marbled Godwit
· Slow Down
· The Ticonderoga
· Olive Hearts

Horizontes

Quando percebi que o vento soprava diferente e a rodovia se perdera no espelho retrovisor, entendi que a distância acontecia a despeito de minha vontade, que nenhum movimento de retorno era possível e pior, nenhuma cartografia me faria encontrar o caminho de volta. Neste exato momento, quando o cheiro de meus pecados violaram meus sentidos, percebi que estava só e que isso duraria muito mais do que o esperado. Sem mais lágrimas que derramar mirei um minúsculo ponto no horizonte e acelerei. Acrescentei força ao gesto e segui em frente... Apenas segui em frente. J.M.N

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Pink Martini

Sympathique cover Hang On Little Tomato cover

Hey Eugene!

Prepare-se, este post vai ser longo! Não poderia ser diferente. Há muito o que falar do Pink Martini.

Além de ser uma das minhas bandas preferidas, esta pequena orquestra, como gosta de definir seu formador - o pianista Thomas M. Lauderdale - ajudou-me a definir amizades, a me aproximar de pessoas muito diferentes em cujas formações havia de comum apenas o gosto por música.

Talvez isso se deva à composição diversificada de seus músicos e de seu repertório. Veja a formação da banda:

  • China Forbes — vocals
  • Thomas M. Lauderdale — piano
  • Robert Taylor — trombone
  • Gavin Bondy — trumpet
  • Doug Smith — vibraphone and percussion
  • Brian Lavern Davis — congas, drums and percussion
  • Derek Rieth — percussion
  • Martin Zarzar — drums
  • Phil Baker — bass
  • Timothy Nishimoto — vocals and percussion
  • Maureen Love — harp

  • Pansy Chang — cello
  • Dan Faehnle — guitar
  • Claude Giron — cello
  • Brant Taylor — cello
  • Nicholas Crosa — violin

O disco de estréia Sympathique de 1997, traz dentre outras pérolas, Aquarela do Brasil de Ary Barroso. Isso mesmo! Brazil como ficou grafado no album. Uma versão que remete aos acordes originais mais que introduz muitos elementos novos ao clássico isoneiro de Barroso.

Nesta altura do disco (Brazil é a penúltima música) nossos ouvidos já estão acariciados, nossos olhos mareados e, com certeza, nossos sentidos todos a serviço da magnífica voz de China Forbes, a principal cantora do Pink.

Ex aluna de Harvard, China tomou a decisão de cantar as músicas que ajudaram a formar seu vasto referencial musical e depois, para nosso deleite, resolveu ela própria escrever músicas recorrendo a elementos musicais os mais diversos, tais como samba, salsa, tango e até mesmo as melodias do teatro kabuki japonês.

Não podia ter sucedido melhor. Pink Martini é trans-nacional em sua formação e musicalidade sem cair no piegas do que se convencionou chamar de worldmusic. É realmente muito mais que isso.

Seu segundo album Hang on little tomato saúda além dos temas de Sympatihique, canções em italiano e ucraniano. U Plavu Zoru é belíssima e, a despeito do desconhecimento do idioma da Ucrânia, não se pode deixar de emocionar com a melodia e com a cadência do canto de China Forbes.

Como não pretendemos nos aprofundar em críticas, pois sabemos que nos falta competência (ou incompetência?) ou mesmo fixarmo-nos nas costumazes resenhas, estas linhas pretendem apenas atestar os sentimentos de ouvir Pink Martini - alumbramento, deleite, reconhecimento e necessidade de repetição extrema, pois ao fim das faixas sempre há que se voltar àquela ou esta.

Em seu último trabalho Hey Eugene, China Forbes e companhia surpreendem mais uma vez cantando Tempo Perdido de Ataulpho Alves e isso num português muito melhor que de muitos migrantes de antanho.

Cada vez mais sofisticada e moderna, a releitura dos ritmos e o acréscimo virtuoso de novidades a música do Pink Martini dá a certeza de que é possível manter excelência musical, bom gosto e uma lírica impecável em meio ao bloco duro da cultura de massa, aproximando o termo alternativo ao vocábulo salvação!

Mais uma vez, mesmo que não seja sua praia - digo: boa música - escute. Vá atrás, leia as letras, discuta. Talvez você ache indigesto, fora do tempo... coisa antiga... parece coisa do vovô. Não importa! Ao escutar você poderá ter certeza que há muito o que sugar dos acordes, dos arranjos e, principalmente, da voz de China Forbes.

O Pink Martini é um oásis no deserto da criatividade da indústria musical. Se Sympathique vendeu 750.000 cópias em sua primeira prensagem é sinal de que há massa crítica para se buscar produções similares, que primam pela qualidade e que não estejam à serviço das grandes corporações.

Talvez seja o incentivo de que a própria música popular brasileira precise, pois se em outros lugares do mundo ainda tem lugar para Ary Barroso e Ataulpho Alves é sinal de que acertamos a mão e vale à pena insistir em nosso valor musical, o qual, certamente, não se resume a um glorioso passado. J.M.N

Três listas essenciais:

Sympathique

  • Amado Mio" (Doris Fisher, Allan Roberts) 4:51
  • "No Hay Problema" (Jacques Marray) 6:14
  • "Sympathique" (China Forbes, Thomas Lauderdale) 2:50
  • "Qué Sera Sera" (Jay Livingston, Ray Evans) 4:12
  • "La Soledad" (P. Raphael, Thomas Lauderdale, Frederic Chopin) 5:41
  • "Donde Estas, Yolanda?" (Manuel Jiménez) 3:25
  • "Andalucia" (Ernesto Lecuona) 3:41
  • "Song Of The Black Lizard" (Akihiro Miwa) 4:12
  • "Bolero" (Maurice Ravel) 4:10
  • "Never On Sunday" (Manos Hadjidakis, Billy Towne) 4:58
  • "Brazil" (Ary Barroso) 5:24
  • "Lullaby" (China Forbes, Thomas Lauderdale) 2:12

    Hang on Little Tomato

    1. "Let's Never Stop Falling in Love" - 03:02
    2. "Anna (El Negro Zumbon)" - 02:36
    3. "Hang On Little Tomato" - 03:16
    4. "The Gardens of Sampson & Beasley" - 04:00
    5. "Veronique" - 03:19
    6. "Dansez-vous" - 02:52
    7. "Lilly" - 02:43
    8. "Autrefois" - 03:38
    9. "U Plavu Zoru" - 06:01
    10. "Clementine" - 03:50
    11. "Una Notte a Napoli" - 04:45
    12. "Kikuchiyo to Mohshimasu" - 04:32
    13. "Aspettami" - 03:38
    14. "Song of the Black Swan" - 02:10

    Hey Eugene!

  • "Everywhere" (China Forbes, Thomas Lauderdale) 3:10
  • "Tempo Perdido" (lost time) (Ataulpho Alves) 3:42
  • "Mar Desconocido" (uncharted sea) (Martin Zarzar) 3:12
  • "Taya Tan" (music Taku Izumi, lyrics Michio Yamagami) 2:42
  • "City of Night" (China Forbes, Thomas Lauderdale) 4:19
  • "Ojalá" (hopefully) ((Thomas Lauderdale, Luisa Quiñoy, Timothy Nishimoto, Daniel Lemay, China Forbes) 3:02
  • "Bukra Wba'do" (tomorrow and the day after) (Music by Mounir Mourad, lyrics by Fatehi Qorah, originally sung by Abdel Halim Hafez) 3:56
  • "Cante e Dance" (sing and dance) (Phil Baker) 4:28
  • "Hey Eugene" (China Forbes) 3:10
  • "Syracuse" (Music by Henri Salvador, lyrics by Bernard Dimey) 3:49
  • "Dosvedanya Mio Bambino" (Farewell My Child) (China Forbes and Maya Forbes) 4:41
  • "Tea For Two", featuring Jimmy Scott (Music by Vincent Youmans, lyrics by Irving Caesar) 5:02 (From the musical comedy No, No, Nanette)

  • Desafeto

    Finda toda a arte, todo espetáculo. O palco agora é só um espaço sem forma, sem graça, sem riso. Do outro lado de onde me encontro talvez haja vida ou um pouco de esperança, não sei. Sem sorte, sem norte, sem prudência ou anestesias. Morri duas vezes esse ano. Uma quando morreu Clarice. Outra quando eu próprio morri. Neste ato represento um homem havido. De inconstantes, derivado. Um ser indistinto sem teus beijos. Amargo e duro sem tua piedade. Isso não é uma carta, um epíteto, uma epígrafe. É um desabafo. Uma história muito minha, contada pela terceira pessoa que se me habita. Um ente vago. Com idéias geniais a teu respeito. Inclusive fiador de tuas insuficiências, de minhas vaidades. Estas linhas são a nascente de um rio que insistiu em vir ao mundo retilíneo e não deságua no mar. Vai direto a ti. Às tuas formas mais desejadas. Ao teu ventre abissal. Tenho tanto o que falar pelas tuas costas. Teus vacilos. Tuas mentiras. Tua história sem mim. Mais do mesmo no final de tudo. Sempre eu. Muito mais que tudo. Sempre amor demais. Cicatrizes demais. E a vida correndo solta, feito um vício. Quando chegaste na minha pele de relance, criaste uma marca indelével com tua presença. Um sinal de nascença. Ali, naquele dia inacabado, com uma noite sem fim, ficaste para sempre. Nunca antes dei por mim. Nunca havia sido tão profundo, confuso, desesperado. Abriste túneis quilométricos. Varaste veias, nervos óticos, aplasias. Criaste lugares, esconderijos onde não te acho. E vens sempre com brutal tenacidade. Apresentando as armas. O ataque vem de dentro de mim, me torce, horrendo. Sem defesas. Quase instinto. Nunca antes eu tinha sentido medo. Medo conjunto de não ter e de possuir. Um medo arquiinimigo. Adstringente. E nunca, igualmente turbulento eu quis tanto. Fui tanto. Amei tanto que nem cabia. Tens tudo meu. Minha alcunha. Meus apelidos. Minha identidade. Minha loucura. Tens mais coisas de mim do que ti. Pergunto, estúpido, o que farás com tudo isso? E não é da resposta que tenho medo, mas sim do teu silêncio aborrecido. De tua estupenda destreza para o que é sórdido. Ou, quem sabe, desabafar seja isso. Botar para fora e para sempre, uma imensidão de coisas bonitas, covardes, perversas, necessárias e aflitas, esperando que assim, aquilo que se foi não fique no além para todo o sempre. J.M.N

    I'm a Bird Now - Antony and the Johnsons

    Se I'm a bird now tivesse apenas uma faixa e esta faixa fosse Hope there's someone, com absoluta certeza a banda Antony and the Johnsons já teria ganho seu lugar ao sol entre os amantes da boa música, mas como seu front man tem um grande apreço pela melancolia e aposta em sua androginia e sentimentos conflitantes como pano de fundo de muitas de suas composições, o resultado foi um belíssimo disco com participações de peso como Lou Reed, Devendra Banheart e Rufus Wainwright.

    O disco nem é tão novo. Pelo menos para a era mp3/e-mule e afins. Foi editado em 2005 e consta como segundo LP (saudosismo mesmo) da banda, mas, como de praxe, ainda é pouco conhecido do público brasileiro. Vale à pena procurar este exemplar premiado com o Mercury Prize of Music.

    A banda também ganha muitos elogios de celebridades e é citada como uma das melhores surgidas no cenários musical nos anos 2000. Recentemente a atriz Nina Hoss, a qual aceitou um convite do governo do estado do Pará para ser sua embaixadora especial na Europa, citou a banda como sua preferida.

    Apenas para sucitar mais a curiosidade, devemos enfatizar que as letras de Antony são belíssimas e suas mensagens de amor, busca por uma identidade e liberdade, trazem aquele elemento tão necessário aos dias de hoje - suavidade, pois além das letras, as melodias vêm embebidas numa combinação de piano, cello e violinos, realmente irresistível.

    Num mundo onde o desamparo e a vocação para a solidão se tornam cada vez mais centrais, declarar esperanças de alento e cuidado, como acontece em hope there's someone, faixa que abre o disco, é muito mais que lírica e estilo, é demonstrar que a sensibilidade perdida nas produções musicais da grande mídia, ainda tem suas ilhas e estas devem ser conhecidas. J.M.N

    Siga a trilha:

    1. Hope There's Someone
    2. My Lady Story
    3. For Today I Am A Boy
    4. Man Is The Baby
    5. You Are My Sister
    6. What Can I Do?
    7. Fistful of Love
    8. Spiraling
    9. Free At Last
    10. Bird Girl

    segunda-feira, 5 de maio de 2008

    Não cometa a gafe de morrer sem escutar 4

    Rosa de ouro/ mas que tesouro/ ter esta rosa. Assim começa o espetacular Rosa de Ouro, disco gravado em 1965 por Clementina de Jesus, Araci Côrtes e Conjunto Rosa de Ouro. Simplesmente indispensável.

    Peróla negra está magistral interpretando Hermínio Bello de Carvalho, Elton Medeiros e Paulinho da Viola, mostrando que ter voz e ritmo não é para qualquer aventureira. Não. Clemê incinera o negócio cantando também Nelson Cavaquinho e Pixinguinha.

    Mas a bolacha não acaba ai. Araci Côrtes nos presenteia com uma interpretação fantástica de Jura de Sinhô, um dos clássicos, clássicos de nossa MPB.

    Não é moeda de troca para quem pensou em se desfazer das tralhas do pai; não deve ficar exposto ao sol, nas barracas do largo das Mercês. Vendo-o compre, comprando escute e escutando... bem, trate de não esquecer.

    Resumindo:

    1. Pot pourri:
       • Rosa de ouro
       • Quatro crioulos
       • Dona Carola
       • Pam pam pam
    2. Senhora Rainha
    3. Ai Yoyô (linda flor)
    4. Os rouxinóis
    5. Jura
    6. Pot-pourri:
       • Escurinho
       • Se eu pudesse
       • Nem é bom falar
    7. Pot-pourri:
       • Sobrado dourado
       • Clementina, cadê você?
       • Benguelê
       • Boi não berra
       • Siá Maria Rebôlo (Folclore)
       • Maparaêma (Folclore)
    8. Naceste de uma semente.

    J.M.N

    Lunário

    Um céu entrecortado. Negro, sem nuvem alguma. Era o céu daqueles dias, anos atrás. Acontece que eu estava errado. Transido das dores dela e das minhas também. Já havia deixado a Sé Batista e me preparava para seguir viagem. Mais uma missão.

    Quando desci a escadaria da igreja, avistei-a sozinha sob aquele céu de mau gosto. Tive medo, como Jorge, que anos antes largou tudo e foi morrer de desgosto pros lados de Ariolândia. E, como ele, escrevi minhas tristezas. A maior delas, não estás aqui.

    No dia seguinte parti, como previsto.

    Na terceira semana ela apareceu novamente e não pude deixar de pensar que não havia nada mais bonito de se ver, foi quando ela chegou no caminhão lotado e desceu deslumbrante como se a poeira da estrada não tivesse se ocupado dela.

    A noite se condensou num negrume intenso enquanto esperava a hora certa para revelar sua dádiva. E apenas quando ela saiu do meio do povo, vestida de branco para iluminar minha fé, a segunda lua de Agosto chegou brilhante.

    Talvez minhas preces tivessem sido ouvidas, enfim. J.M.N

    sexta-feira, 2 de maio de 2008

    Confissões

    Teoricamente estou morto! Quase não tenho dúvidas. Apenas a insistência dessa carcaça ambulante que ainda toma para si as dores de andar, de olhar-se no espelho e, sobretudo, de acordar com a cama vazia.

    Através desses olhos esquecidos as coisas passam sem função nenhuma. Imagens, cores, tecidos, tudo agora tem o mesmo dorso esquálido da solidão infinita. Diante do vago, apreciar a própria finitude é um achado.

    Há três semanas decidi que mentiria apenas o suficiente para afastar as possibilidades de um grande desastre. Errei na medida. A morte chegou antes. Diante da respiração que se findou, da cor rosada que me fugiu da pele, atesto eu próprio meu fim.

    Esse é um bilhete redundante. Serve apenas para saberes que já não sou nada. Talvez já soubesses enfim. Contudo, para mim, era necessário um algo mais. Só acreditei quando perdi meu peso, meu tato, meu paladar. E isso aconteceu no mesmo impiedoso momento em que te dei as piores mentiras.

    Acaso possas perdoar. Não é uma doença. Não é uma necessidade. É algo com quê não contava. Assolou-me. Varreu-me da existência possível. Hoje sei que aquilo era esperado. Meu grande outro a sorrir, cospe em meu rosto essa verdade final.

    Insisto em dizer que estou morto. Que acabou-se a essência estupenda que era tua presença em mim. Eu que sempre quis o que nunca ninguém queria, eu que invadi as salas daquela casa proibida. Sou o mesmo que se despede e cala. Confesso que morri. Já chega de tentar esconder. J.M.N